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quinta-feira, 13 de março de 2014

Desencontro


Entrou na livraria sem nenhuma intenção programada. Pensava apenas em olhar as novidades. Passou por uma prateleira, passou por outra, nada chamou sua atenção, até que, entre um livro e outro, no espaço exíguo formado sem querer, viu uma moça sentada numa das mesas. Seus cabelos caíam em ambos os lados do rosto, escondendo-o um pouco, mas dava para ver que era bela. Pensou por dois segundos no que faria. Atrapalhar sua leitura e puxar conversa? Mas falar de quê? Um sentimento desconhecido de timidez o invadia, desconhecido mas forte. Desconcertado, não com a visão que tinha mas com a própria reação, decidiu que aquele não era o momento, deu meia-volta e saiu à rua.

De seu lado, a moça, mergulhada na leitura, havia visto aquele moço que acabara de entrar sem muita intenção. Que cara charmoso, pensou ela. Mas ele tinha ido para o meio das prateleiras e ela o havia perdido do olhar. Por isso, voltou ao texto, de quando em vez sentindo a cabeça por conta própria dar uma volta pelo espaço. Será que ele me viu? E se ele se sentasse aqui, o que eu faria? Pensava, enquanto lia; lia, e pensava. Não o viu sair.

E o início da noite foi assim: ele, com as mãos nos bolsos sem rumo pelas calçadas, sentindo o frescor da brisa e tentando imaginar o cheiro daqueles cabelos. Ela, tentando fixar a atenção na leitura, mas querendo que tivesse tido a oportunidade de mostrar quem era. Por timidez de um e passividade de outra, a noite acabou assim, cada um no seu canto. Sem saberem que aquele encontro que não acontecera não tinha sido por acaso.

terça-feira, 11 de março de 2014

Saudade


E de repente a saudade invadiu meu coração. Sem saber como nem de onde veio, em um longo suspiro veio a sensação de aperto no peito, misturada com certo torpor, como se estivesse envolta em uma nuvem. Saudade de quê? Do amor que passou? Dos momentos felizes? De algum amigo distante? Não consegui localizar. Então, simplesmente me deixei envolver pelo sentimento. Entrei nele devagar, ao mesmo tempo que permitia que ele se instalasse em mim, numa troca de corpos de densidades diferentes. E o aperto do peito foi se abrandando, deixando no lugar um doce sentimento de felicidade. Porque a saudade nem sempre é do que passou, ou foi embora, ou não volta mais. Pode ser do que ainda está por vir. E aí podemos sentir a intensa alegria de algo que não sabemos conscientemente que vai acontecer, mas que apenas intuímos. A saudade, nesse caso, tem muito de premonição. Ou pode também ser apenas o sentimento vindo de um sonho, de um desejo que cala fundo na alma e que ainda não conseguimos identificar. Do que sentia saudade, então? Num ponto de angústia, percebia que minha saudade não tinha objeto. Ela simplesmente existia por si só, como um ser autônomo. E por ter autonomia, tinha vindo me visitar. Enquanto via a noite cair pela janela, o início da noite que também me enebria, deixava esse sentimento crescer. E fui ficando leve. E feliz. E acariciada. Como se fosse uma meditação, e porque não encontrava o objeto da saudade, eu não pensava, apenas sentia.

E assim, em algum momento, percebi que o que eu sentia era saudade de sentir saudade.

sábado, 8 de março de 2014

Sobre um 8 de março futuro

Este foi meu texto do ano passado sobre o dia 8 de março, publicado no Facebook. Este continua a ser meu desejo para este ano. Com um acréscimo: que saibamos perceber o discurso da mulher-objeto que está renascendo travestido de novo feminismo. Isso é muito sério.

Como em anos anteriores, vou continuar desejando que esse Dia Internacional das Mulheres não precise mais existir, não porque deixamos de ser importantes ou merecedoras, mas porque passamos de minorias muitas vezes agredidas, sucumbidas, prisioneiras a seres humanos com seus direitos respeitados. Enquanto isso, a cada 8 de março devemos lembrar de todas aquelas que passam por maus-tratos, físicos mas a maior parte deles psicológicos, daquelas que têm suas escolhas profissionais ou sexuais cerceadas, daquelas que são tomadas como seres biologicamente determinados e por isso não podem escolher não ter filhos e privilegiar a carreira, daquelas que enfrentam isso mas ouvem constantemente a pergunta "quando você vai se casar?" ou "não se casou por quê?", como se suas vidas só passassem a existir em função de um homem. Porque, em muitos, muitos aspectos, mais do que quero admitir aqui, ainda estamos vivendo no século XIX e em alguns casos na Idade Média, e estou falando somente de Brasil. Lá fora a coisa costuma ser até pior. Lembremos também daquelas que atendem ao chamado da maternidade mas que, como se tivessem de pagar por isso, se desdobram em mil para cuidar dos filhos gerados e do maior deles, daquele que deveria dividir com ela a vida mas a transforma na segunda mãe: seus maridos. E como esquecer daquelas que fazem da bandeira da [falsa] proteção masculina um estilo de vida, sem ao menos perceber que perpetuam o mesmo discurso machista que tentamos combater. A estas, desejo uma luz em sua mentalidade. A todas as outras, que conseguem perceber os discursos subliminares, mesmo que somente alguns, meu estímulo de que as dificuldades continuem sendo vencidas, de que elas queiram mais respeito do que qualquer outra coisa e que saibam ensinar a seus homens - namorados, maridos, amantes, irmãos, pais, amigos, colegas - que a igualdade entre os sexos não significa apagar as diferenças, mas significa sobretudo deixar a cada um a escolha do próprio caminho. Feliz Dia Internacional das Mulheres a todas vocês que partilham da dificuldade e da beleza de ser mulher. A minhas amigas, primas, tias queridas, um grande beijo.

segunda-feira, 3 de março de 2014