tag:blogger.com,1999:blog-11145566647937883762024-03-13T14:25:03.985-03:00Nas entrelinhas do silêncioEste blog já nasce de um paradoxo: como o silêncio pode nomear um local por excelência destinado à escrita? É que a pergunta a ser feita deveria ser: não existiria silêncio mesmo nas palavras ditas? Sejam bem-vindos...Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.comBlogger39125tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-64642738925139805412022-04-22T15:59:00.000-03:002022-04-22T15:59:16.525-03:00Tempo, solidão, pandemia... vida que segue<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifMrCjLbLuWQs1Rrci_yiu7mssoyXaAc2wY3C1qIG5u1rw9ViClFZTWuq0m4AeXTeFOBkFkoV_PZ-OCWqKkdGGelglO6eOflNl5qJvro5A-YY4ULyqnlGI_MVYv3JDoIa12QaTnJ0UdQeJ6tTdmUpT5TKnEzjYeCLyd9om_4vfrOwPP5ycPtC2C5PU/s800/A%20view%20in%20a%20rural%20way%20of%20Ouro%20Preto..jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="538" data-original-width="800" height="215" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifMrCjLbLuWQs1Rrci_yiu7mssoyXaAc2wY3C1qIG5u1rw9ViClFZTWuq0m4AeXTeFOBkFkoV_PZ-OCWqKkdGGelglO6eOflNl5qJvro5A-YY4ULyqnlGI_MVYv3JDoIa12QaTnJ0UdQeJ6tTdmUpT5TKnEzjYeCLyd9om_4vfrOwPP5ycPtC2C5PU/s320/A%20view%20in%20a%20rural%20way%20of%20Ouro%20Preto..jpg" width="320" /></a></div><p>Retomo o blog depois de muito tempo. Lá se vão quase sete anos de muita mudança, a maioria delas com resultados excelentes. Nenhuma sem algum tipo de dor. Porque renascer, refazer-se, esquecer, retomar seu eu, ser quem queria tornar-se não são coisas nada fáceis.</p><p>Passamos (e este verbo serve tanto para o passado quanto para o presente) por um período muito, muito difícil. Golpe político no país, ascensão da extrema direita corroborada pela população, com a maioria dos votos ou por abstenção, caos social e econômico, pandemia... Esta última algo já visto na história humana, mas só imaginado nos filmes sobre modos de vivenciar um apocalipse.</p><p>O que dizer desse tempo? Um tempo que corre e varre tudo, significa, faz mudar e amadurecer, mas que também mata, adoece, traz dor. Um tempo de colheita do que foi plantado, nem sempre com consciência dos resultados que viriam.</p><p>A pandemia trouxe um caos social ao mundo todo, mas também um caos interno. Mortes de entes queridos, incerteza quanto ao futuro, desavenças, medo, insegurança. Mas penso que a pior dificuldade foi lidar com algo inerente ao ser humano, cantado em prosa e verso, mas que, quando vivenciado, deixa de ser poético e estremece: a solidão. Não aquela de um casal que se separa, de alguém sem um parceiro há muito tempo, de famílias que quase não se veem, ou de amigos que moram longe. Falo aqui da solidão de ser nascido e encarnado e não se saber o motivo disso. A solidão de ser/estar humano e das benesses e dificuldades disso.</p><p>O caos no mundo recente exacerbou essa solidão inerente, que se vê, na maioria das vezes, escondida no dia a dia, nas relações distrativas, sejam elas familiares, de amigos ou de amores, nos afazeres mil. Muita gente, nesses tempos, foi obrigada a ressignificar a importância do trabalho, das tarefas, das trocas, das relações. Famílias se desentenderam, casais se separaram, os últimos muitas vezes com a justificativa de que o amor não sobreviveu à pandemia. Mas o que me pergunto é: havia mesmo amor? Ou o que se pensava como tal era apenas distração, tesão, tapa-buraco?</p><p>Ver-se, de repente, trancado em casa 24 horas por dia com alguém que não se conhece tão bem resulta no caos. E, não, não estou falando do parceiro ou parceira, mas de si mesmo. Dar-se conta de que divide o dia a dia, a cama, o sexo, o banheiro e a toalha de rosto com alguém muitas vezes mal escolhido é assustador. O que fazer, então? Separar-se e colocar a culpa na pandemia, afinal ela foi a causadora de tudo.</p><p>Mas não foi. A pandemia só colocou os espelhos. Mostrou o que estava escondido e cuidadosamente escamoteado pelo trabalho, pelos eventos, pelos compartilhamentos com mil curtidas e comentários nas redes sociais. As relações que pareciam tão bem nas fotos e declarações de amor, mas que, por falta de conhecimento de si próprio, naufraga ao primeiro sinal de dificuldade sem distrações. Claro, há pessoas que se juntaram nesses tempos. Essas terão de ver se sua relação sobreviverá à falta do caos pandêmico.</p><p>A dificuldade de lidar com a própria solidão é o motivo de tudo. Porque, como em geral se diz, nascemos e morremos sozinhos. O outro, os outros, todos entram na nossa vida para somar. Ou deveriam. Mas o que em geral se vê é um tapa-buraco generalizado, a ânsia de esconder o próprio buraco, a falta, aquela que massacra, mas que também é o mote do desejo (desejo no sentido de desejar, de criar, não somente o sexual). Se não formos seres desejantes, é impossível viver. E o desejo só pode aparecer pela falta. Quando, desesperadamente, tentamos tapar esse buraco da falta, o desejo acaba. E aqui também está incluído o sexual.</p><p>Assim, estar com o outro deveria ser uma soma, à qual aos poucos entram outros fatores, mudando o resultado final. Por isso o tempo é importante. E esse pode ser um minuto ou vários anos. O que é preciso é saber que não se deve abrir mão da sua solidão por ninguém ou por nada. Porque ela continua presente, mesmo que não pareça.</p><p>Fazer coisas a sós, ir ao cinema, ver um filme, ler um livro, passear por aí, fazer compras... tudo isso deve e precisa ser feito sozinho, de vez em quando, para que nós, como seres humanos, saibamos lidar conosco e não joguemos no outro toda a frustração de ser/estar humano. E todas essas coisas devem acontecer mesmo que tenhamos amigos, familiares, amores. Porque, ao fazermos isso, podemos lidar melhor com o caos externo, como é aquele gerado por uma pandemia — que ainda não terminou.</p><p>Então, se sua relação não sobreviveu à pandemia, ou ela já tinha acabado e vocês não tinham se dado conta disso, ou nem tinha começado como relação profunda, e, estando somente na superfície das coisas, foi engolida pelo caos. Não foi a pandemia que fez isso. Foi a morte do desejo, a necessidade de tapar um buraco com alguém por não saber ser/estar sozinho. Ela já nasceu programada para morrer, sua relação. Teria sobrevivido, sim, caso vocês soubessem lidar com a própria solidão. Porque, para estar a dois, ou a três, ou em grupo, é preciso saber ser só. E ser só não é triste. Ser só é fortaleza. O tempo e a solidão nos ensinam a dar nosso melhor ao outro, quando o encontramos. E dar nosso melhor significa não usar o outro como suporte emocional, porque nós nos bastamos, embora escolhamos nos dividir com alguém.</p><p>A vida é isso. Traz altos e baixos por acontecimentos externos e internos. Precisamos saber quem somos para não sermos engolidos por ambos.</p><p>Devo dizer, feliz ou infelizmente, que a pandemia foi boa para mim. Resolvi pendências, coloquei a cabeça em ordem, refiz planos, coloquei pessoas e coisas no lugar a que pertenciam. Embora o caos externo estivesse e ainda esteja aí, sei que minha calmaria veio dessa parte nossa tão presente e negligenciada, que é saber-se só, mesmo estando com alguém. E nada mais gratificante do que encontrar alguém que também guarda com cuidado esse lugar da solidão, dessa vez transformada em solitude. Porque essas pessoas, quando estão com você, fazem-no porque o querem, não porque precisam desesperadamente de uma distração. Porque elas são inteiras consigo mesmas, então podem também ser inteiras com o outro. Em tempos de sufocamento e felicidades de Facebook, essas pessoas são preciosas.</p>Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-76719420190096382962015-12-16T23:05:00.000-02:002015-12-16T23:24:38.489-02:00Almas aconchegantesPessoas com a alma aconchegante... Já conheceu alguma? Eu já. Algumas.<br />
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Pessoas que têm a alma aconchegante são como qualquer outra, como eu, como você. Você pode conhecê-las e não ver nada demais nelas. Pode até mesmo não gostar delas a princípio. Elas podem ser de todo tipo, não precisam ser zen, podem comer carne vermelha, beber álcool, gostar da noite, rir alto em lugares públicos ou ser calmas como uma andorinha. Você pode começar a conversar com elas e pensar que não têm nada demais. Mas as pessoas com esse tipo de alma têm um porém: suas almas puxam você para dentro delas, como num abraço apertado. Elas o envolvem, o mimam, como um edredom numa noite fria de inverno. Elas podem nem ser muito simpáticas de início, mas são presentes quando estão com você, olham-no nos olhos, prestam atenção ao que diz, sorriem de volta quando você sorri pra elas. E, de repente, não mais que de repente, tasc!, você está lá, envolvido por aquele morninho de gente que esquenta o ambiente em volta.<br />
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Essas pessoas passaram por problemas, como eu e você; podem ainda estar passando; têm dúvidas, medos, anseios, pesadelos, amores passados e desfeitos, esperanças. Mas elas têm uma calma interna que não tem nada a ver com fazer ioga ou abraçar uma árvore. Elas podem não ser bonitas, e na verdade em geral sua beleza vem mais desse algo que tento descrever do que de um padrão estabelecido, mas elas se iluminam, e a seus olhos vão ficando cada vez mais lindas. E você fica ali, paradinho, querendo sentir um pouquinho dessa irradiação, como quando se entra numa neblina e se deixa que ela o envolva. E, quando nos afastamos delas, lembramos da sensação.<br />
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Não se trata de paixão, ou tesão, ou amor o que essas pessoas nos inspiram. Embora esses sentimentos possam também estar presentes, pois são pessoas que encantam. Trata-se de um brilho que talvez cada um de nós tenha, mas que não conseguimos ainda expressar. Na verdade, essas pessoas olham o Outro e olham para o Outro, e isso vem de suas almas. Aconchegantes.<br />
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São seres únicos, sabe? São delicados, embora irascíveis e briguentos muitas vezes. São cuidadosos. Consigo mesmos, em primeiro lugar, pois sabem que não devem magoar quem cruza seu caminho, porque já foram muito magoados. Na verdade, são pessoas sofridas, que viveram muito, apesar de nem sempre serem maduras em idade. São muitas vezes uma flor de lótus em um mar de lama que tenta selvagemente sobreviver.<br />
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Pessoas com a alma aconchegante são o que todo ser humano deveria ser: abertas ao Outro e ao que há de melhor nele. Elas enxergam o pior, sim, mas conseguem ver além. Não pense que são religiosas por isso. Não! Podem até mesmo não ter crença nenhuma. Porque elas praticam o que Deus, ou o Cosmos, como prefiro chamar, pediu que fizéssemos: cuidar do próximo. E fazem isso sem perceber.<br />
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Elas não necessariamente fazem trabalhos de caridade, ou seguem uma causa. Podem simplesmente estar pelo mundo espalhando seu perfume. São simples, e por isso extremamente complexas.<br />
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Pessoas com a alma aconchegante podem sentar com você para tomar um café e ficar horas só ouvindo o que você tem a dizer. Ou num fim de semana ficar na cama debaixo de edredom só sentindo o calor do seu corpo meio adormecido, sem nada mais. Podem ligar um som alto e barulhento ou deixar o silêncio reinar. Elas vivem normalmente. Mas elas o abraçam. Com a alma. Com os olhos.<br />
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Sabe, tenho encontrado algumas dessas pessoas ultimamente no meu caminho. Elas às vezes se tornam grandes amigos, ou amores passageiros, ou simplesmente passam e me ajudam em algo e vão embora. Outras eu já encontrei há muito e reconheço agora. O que posso dizer é: o aconchego de suas almas tem tocado a minha alma sofrida e questionadora. E em alguns momentos eu penso que, quem sabe, não é esse o verdadeiro ser humano.<br />
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Que haja mais pessoas com a alma aconchegante em minha vida em 2016. É o que desejo. E depois, e depois. E desejo o mesmo a você, que me lê agora. Tendo a alma aconchegante ou não. Feliz 2016. :)Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-49167874365706269152015-08-04T00:02:00.000-03:002015-08-04T00:02:18.599-03:00O buraco de cada umHá 11 anos, eu me preparava para fazer 30 anos. O estranho é que não sentia a tal crise dos 30 e forçava um desconforto que todo mundo vivia, menos eu. Para comemorar a balzaquiana clássica, ganhei um presente: fui selecionada para uma bolsa para tradutores no Collège des Traducteurs em Arles, França. Surpresa, emoção incomensurável, medo. Eu, que nunca havia saído do país, viajaria sozinha para a França, desceria em Paris, iria ao endereço do fomento à bolsa, sairia de lá com 1.500 euros na mão, pegaria um trem para Arles, na Provence, e de lá para várias cidades em volta, também um avião para Birmingham na Inglaterra partindo de Marseille, depois de volta, e de novo Paris... isso durante quase 40 dias. Sozinha. Sem smartphones, que não existiam na época, sem Facebook, que ainda estava engatinhando.<br />
Lembro que a notícia da bolsa chegou em março como um supetão com a ordem de viajar ainda no mesmo ano. E fui de março a outubro vendo as coisas da viagem, comprando passagem, marcando hotel, sem parar pra pensar. Sim, sem pensar. Porque, se pensasse, não iria. Foi o que percebi ao descer no Charles de Gaulle, num dia frio de outono, e pensar que, se eu morresse ali, ninguém ia saber. Eu podia desaparecer, podia ser atropelada, assassinada, essas coisas que a gente pensa quando se vê sozinho em um lugar desconhecido. E eu estava a 10 mil quilômetros de casa.<br />
Mas eu fui. Olhei para o meu medo, coloquei-lo de lado, mas à vista, para que eu pudesse vigiá-lo e não deixá-lo crescer, e fui. Recebo até hoje comentários de amigas do tipo "eu não teria ido", "como você teve coragem"... Eu fui. Eu disse adeus. Virei as costas, entrei no avião, com medo, com pavor, com meu francês remelento de anos sem prática (e de prática eu não tinha nada), mas fui. Afinal, não era meu sonho de infância conhecer a França? Como assim eu poderia deixar de vivê-lo por um medo bobo? Está certo que viajar era corriqueiro já. Mas não para mim. Que me sustentava sozinha ganhando um salário que não bancava as despesas da casa, que ralava 12 horas por dia e mais 24 no fim de semana para me estabelecer. Eu não tinha escolha. Era imperativo. A vida me dizia: vá. E eu fiz o que ela me mandou fazer. Eu disse adeus à pessoa que eu era e abracei a que eu me tornaria. Mais segura, com boas lembranças e muitos, muitos desejos.<br />
Já se vão 11 anos. Demorei a voltar, somente depois de nove anos. Porque investi em mim. Fiz mestrado, comprei apartamento, mudei de trabalho, cresci como profissional, aprendi a beber, e a gostar [muito] disso, descobri outros gostos, comecei a selecionar o que ouvir e com quem falar, abri meus horizontes, abracei muitos e bem-vindos amigos, fiquei fissurada em sapatos, parei de me culpar por gostar de me arrumar e gastar dinheiro com isso, conheci homens legais e muitos imprestáveis (a maioria, infelizmente), admiti que ser mãe não é meu caminho, mesmo adorando crianças, e descobri que o casamento nunca foi a coisa mais importante na minha vida, mas algo imposto por uma sociedade hipócrita e machista, que ainda reserva às mulheres seu papel in door.<br />
Mas o que ficou dessa viagem foi mais do que isso: foi aprender a tomar o caminho desconhecido. Assim, estabeleci uma regra para mim: se a vida me apresenta dois caminhos, um que eu já conheço e outro desconhecido, e se eu fico muito em dúvida sobre qual tomar, eu tomo o segundo. Não sem pesar os prós e os contras, mas a primeira análise passa a ser: o caminho que conheço me trará experiências que eu conheço. Se eu tomar o novo, então, a possibilidade é que viva coisas diferentes, não é? É um risco. Pode ser doloroso, pode haver tombos, mas, olha, é revelador. Revelador da pessoa que você é e da que você será no futuro.<br />
Então, não tema acabar com aquele relacionamento que só o faz infeliz, porque você ama demais aquela pessoa. Mentira. Você não a ama. Você ama o fato de estar amando e se acomodou a isso. Porque, se fosse amor isso que acha que vive, não haveria infelicidade. Arrisque. Pegue seu amor e deixe-o disponível para alguém que realmente valha a pena e que o mereça. Porque o amor é seu para dar para quem quiser.<br />
Se está infeliz no trabalho, pese todas as variáveis e procure outra coisa para fazer. Quem sabe em outra cidade? Com novos amigos, novo bairro, nova rotina?<br />
Não tema sair de perto dos pais. Se eles o amam, vão querer que você ganhe o mundo. Se o querem grudado neles, são crianças que precisam crescer, e de repente é seu papel lhes ensinar isso. Porque, mesmo sendo cruel, a tendência é de que eles morram antes de você, e aí vai ficar aquele vazio do amor que se foi e da vida que não frutificou.<br />
Abandone quem não quer saber da sua companhia. Se a pessoa quer ir, deixe que vá. Mas cuidado para não colocar outra no lugar para preencher o buraco que ela deixou. Isso vale para o amor, mas também para a amizade.<br />
E, sobretudo, olhe para o seu "buraco". É uma frase estranha, mas nosso buraco (o furo da psicanálise, e me corrijam se eu estiver errada) é nossa falta. Sem ela, nós não desejamos, não buscamos. A falta vai continuar existindo. Por isso, conviva com ela. É mentira a crença atual de que podemos ter tudo. Não, não podemos. Porque, quando temos tudo, quando estamos plenos, é a morte.<br />
Crie. Seu buraco é para isso. Ele vai lhe mostrar o caminho.<br />
O meu está aqui. Eu olho para ele todos os dias, para não esquecer da sua existência.<br />
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<a href="http://3.bp.blogspot.com/-kNZg3j6OH4k/VcAo62lSP0I/AAAAAAAABOI/1W2SnzhetFs/s1600/coracaovazio.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="199" src="http://3.bp.blogspot.com/-kNZg3j6OH4k/VcAo62lSP0I/AAAAAAAABOI/1W2SnzhetFs/s320/coracaovazio.jpg" width="320" /></a></div>
Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-79103203736368130192014-10-15T17:59:00.001-03:002014-10-15T17:59:51.664-03:00Desencontros?— Por que despertar um sentimento tão incrível de completude, troca e cumplicidade se no fim é sempre o habitual? Aquela constatação de que tudo era efêmero? — perguntava a moça ao velho senhor, que escutava atento seus lamentos.<br />
— Ora, não há resposta mais simples, menina. Porque, mesmo que não tenha havido uma estrada mais longa, o objetivo não era esse.<br />
— E qual poderia ser, então? Provocar sofrimento?<br />
— Não. Provocar a incrível sensação de que é possível amar de novo. Permita-se.<br />
Ela então teve a sensação de uma quase epifania. Será?Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-52038762484566122102014-10-05T22:15:00.000-03:002014-10-05T22:15:40.504-03:00O caminhoEla havia percorrido grandes e pequenas estradas e em todas elas encontrara pessoas. Algumas mais outras menos importantes. Todas haviam deixado sua marca. Em geral, profunda e dolorida. Ela não sabia o que era importante no amor. No início, achava que uma grande admiração seria perfeito. Alguém que a amasse tanto, que a admirasse tanto, que a fizesse ficar para sempre com ele. Contudo, isso se mostrou uma gaiola de ouro. E ela se despediu. Não aguentava uma prisão, por mais bela que fosse. Mais adiante, pensou que inteligência e belas palavras poderiam ser o prenúncio de uma relação prazerosa. Sim, isso era importante. Mas de que valiam belas palavras se não havia belas atitudes para acompanhá-las? Ela nunca correra o risco de se encantar por belos carros, ou casas, belas figuras, mas sabia de pessoas para quem isso era importante. Não entendia por quê, mas agradecia por ser esse um fator ruim a menos em sua caminhada. Não era superficial. Conseguia entender que um encontro a dois era muito mais do que isso. E era agradecida por conseguir ser madura a esse ponto. Mas ainda não descobrira qual era o ponto certo. Para ela. Assim, continuava. Entre uma decepção e outra, rasgando e costurando o coração, chorando nas madrugadas algumas várias solidões acompanhadas, ela descobria que estar simplesmente com alguém não bastava. Era preciso estar pleno com alguém. Mas como atingir a plenitude quando para o outro isso não queria dizer nada? Ela percebia o medo de se envolver em seus parceiros e pensava que talvez esse medo deles fosse um reflexo do próprio medo que sentia. De ser engolida, de se perder, de ser perdida. De amar tanto alguém que fosse preciso se despir de si mesma para estar com esse alguém. Não era infundado esse medo. Isso já acontecera antes. O que, no entanto, acontecera é que ela, com o tempo. foi se dando conta de que isso não era amor. Apesar de todos verem assim e usarem a palavra amor para designar esse estado, ele era mais <i>pathos</i> que amor. Porque para amar não é necessário se perder. É preciso, sim, ceder, mas nunca se perder. E ela continuava em sua busca.<br />
Com o tempo, para ela se tornou inadmissível abrir mão de si mesma por causa de outro alguém. Uma situação difícil. Porque as pessoas, acostumadas que estão a ter do outro tudo o que ele pode dar, invadem o parceiro, se mesclam a ele de tal forma que acabam com sua individualidade, a própria e a do outro. São as cenas de ciúme, a falta de incentivo nos projetos, a falta de escuta. E ela percebeu, aos poucos, que queria encontrar alguém que soubesse ouvir. Não ouvi-la, mas ouvir a si mesmo. Porque, quando alguém ouve seus próprios desejos, sabe o quanto eles são preciosos na própria vida e não tenta anular os desejos do outro.<br />
Só que isso era quase impossível de achar. Por isso, ela seguiu sozinha. Às vezes acompanhada, mas sempre sozinha. Sabia que aquelas relações eram passageiras, que a paixão tinha data para terminar, que tudo aquilo não era nem a terça parte do que uma relação podia lhe dar. Ela sabia que a célebre frase "é impossível ser feliz sozinho" era uma mentira deslavada. Sabia que, para estar com o outro, era imprescindível mergulhar na própria solidão. Ela dizia isso a quem entrava em sua vida, mas sempre era mal interpretada. Acostumou-se a ser desacreditada.<br />
O que ela queria era estar bem. Estar bem consigo. Não admitia que alguém lhe pedisse para ser menos do que podia ser, para dar menos do que podia dar. E exigia o mesmo em troca. Era pesado. Para ela. Para o outro. Mas como ser de outra forma?<br />
Contudo, um dia ela encontrou alguém. Depois de muito esperar, de muito chorar, de não mais acreditar, descobriu que a pessoa que a completava era aquela para quem ela não precisava fingir ser quem não era. Era alguém que via seus defeitos, não gostava deles, mas entendia que faziam parte de um todo. E ela sentia o mesmo. Não foi uma grande paixão. Foi algo tranquilo, estranho, como se já tivesse acontecido antes. Ela não alardeou. Não divulgou. Simplesmente viveu. Alguns pensam que ela continua sozinha; outros, que está mais ou menos feliz, afinal não propaga a própria felicidade. Mas ela sabe o que sente. Sente um calor no peito e na alma. E ela vai vivendo.<br />
Eles vão vivendo. Sozinhos em suas singularidades. Juntos em seu amor cúmplice.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-64619685887320147992014-05-11T14:00:00.000-03:002014-05-11T14:07:52.586-03:00Um Feliz Dia das Mães<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-Vkkx0OZqr6I/U2-rvRm8dgI/AAAAAAAABMk/iLlAZlRfW2E/s1600/download.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-Vkkx0OZqr6I/U2-rvRm8dgI/AAAAAAAABMk/iLlAZlRfW2E/s1600/download.jpg" /></a></div>
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Eu tenho acompanhado, sempre que posso, o programa Santa Ajuda, do GNT, já que adoro dicas de decoração e organização. Então, esta semana tive uma boa surpresa: em plena semana do Dia das Mães, o programa traz a organização de um quarto de bebê para um casal que espera o primeiro filho. Nada demais se esse casal não fosse composto por duas mães. Foi muito interessante observar a naturalidade do discurso de uma nova configuração familiar, coisa que até dez anos — sim, somente dez anos — seria impossível. Mas por que falo disso hoje? Porque, em meio a mil postagens fofas no Facebook de homenagem às mães, me pergunto se as pessoas realmente conseguem perceber o que é a maternidade. Sim, as mães são dos seres mais importantes deste mundo, porque sem elas não estaríamos aqui. Elas geram, cuidam, alimentam, protegem. Em sua maioria. Mas nem sempre. Porque há mães que são mães por acidente, por obrigação, por falta de escolha, por imposição social. E há aquelas que, apesar de amarem seus filhos, depois de tê-los e perceberem a tarefa hercúlea que empreenderam, se pudessem escolher novamente escolheriam não ser mães. Conheço algumas. E isso não é nenhum demérito. Porque mães não são supermulheres. São seres humanos, e como tal passíveis de erros, arrependimentos, mágoas, medos. Acima de tudo são mulheres que desde que o mundo é mundo sofrem a pesada imposição social de que é natural ser mãe, desejar ser mãe, sendo, na verdade, quase uma obrigação.<br />
Há algum tempo, uma médica me disse que, com meu relógio biológico apitando, eu deveria pensar em ter filhos, pois poderia me arrepender de não tê-los depois. Ao que eu retruquei que quem garantiria que não me arrependeria de tê-los. Não satisfeita, me disse que eu poderia me arrepender quando, com 60 anos, me encontrasse sozinha. Fiquei escandalizada como, em plena década de quase 20 do século XXI, havia mulheres que colocavam seres no mundo para garantir sua não solidão. Que egoísmo é esse? Dei graças a Deus, depois de me recuperar da pressão absurda, por ser lúcida e não pensar assim.<br />
Porque filhos são gente. Mães são gente. E pais são gente. Família pode ser o melhor lugar do mundo, como também pode ser o inferno na Terra. Somos seres humanos, e como tal podemos ser maravilhosos e cometer erros sem gravidade emocional absurda, mas também podemos estragar o psicológico de uma criança que está tentando se entender neste mundo de cão. Por falta de amor, muitas vezes não pela criança, mas por si mesmas, algumas mães não são boas mães, definitivamente. E na maior parte dos casos não têm culpa disso. Simplesmente repetem um padrão passado por gerações.<br />
Quando comecei o post falando do programa sobre a maternidade do casal homossexual, quis centrá-lo no amor. Na maternidade como escolha, não como vocação. Como desejo, não como obrigação social ou biológica. O discurso sobre a constituição familiar básica com pai, mãe e filhos está sendo alterado aos poucos, dando lugar a uma nova configuração. Daqui a pouco tempo não será estranho vermos as várias configurações de família, o que mostra que o discurso constrói, sim, o social. Como foi mostrado exaustivamente por Michel Foucault com sua "arqueologia do saber": o discurso constrói o social, muda comportamentos, estabelece várias ações, muda conceitos. Isso tudo sem nos darmos conta disso. É assim que o amor homossexual está começando a ser visto com os olhos com que devem ser vistos: com olhos de amor. E espero que aos poucos isso aconteça também com o olhar para as mães. Que as retiremos do pedestal em que sempre foram colocadas em toda a existência da humanidade e que as tragamos para o lugar que devem ocupar: como mais uma escolha feminina, como qualquer outra: a de trabalhar ou não, pintar o cabelo ou não, casar-se ou não, ser mãe ou não. Porque ser mãe não é intrínseco ao ser. É uma responsabilidade que deve ser assumida com consciência. Não porque se é mulher, porque o marido/companheiro quer, porque a sociedade exige, porque se tem medo de ficar sozinha. Você trará um filho ao mundo e deverá dar conta a esse mundo do que fez dele. Porque seu filho crescerá e fará as próprias escolhas, mas só estará aqui para fazê-las porque você assim o permitiu.<br />
Então, neste Dia das Mães desejo a todas as mulheres que empreenderam esse caminho que o façam da melhor maneira possível, sem esquecer que são humanas. Aos filhos das mães, que as vejam como seres passíveis de erros e que saibam se afastar de suas mães caso elas sejam nocivas a si mesmos, e amá-las e agradecer-lhes caso elas sejam amorosas e companheiras. E desejo a todas as mulheres que estão na dúvida se trilham ou não esse caminho que o façam com consciência. Sobretudo isto: pensem, em primeiro lugar, em si mesmas. Porque ser mãe é abrir mão de si mesma em muitos pontos, nem que seja emprestando seu corpo para gerar outro ser. Essa pode ser a maior aventura da sua vida, mas também pode ser a pior, vindo com culpa e arrependimento. Porque um filho, uma vez estando no mundo, vai lhe cobrar o papel de mãe, e você precisa estar consciente desse papel. Então, um conselho: se existe uma dúvida grande sobre ele, não o aceite. Porque você, mulher, pode ser ou não mãe em nosso tempo atual, mas será sempre uma mulher. E mulher tem a maternidade dentro de si, que pode ser canalizada para um sobrinho, um trabalho com crianças, uma ajuda a terceiros. Não é egoísmo. Egoísmo é colocar filho no mundo para aplacar sua solidão. Lembre-se: os filhos não são seus, são do mundo, e para isso devem ser criados.<br />
Um Feliz Dia das Mães a todas que o são. E às que escolheram não serem, um Feliz Dia das Mães às suas mães. E parabéns pela sua coragem de dizer não.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-88217388745822444552014-04-13T18:23:00.000-03:002014-04-13T18:23:41.285-03:00Quando o coração desinchaDepois de mais um dia de tristeza infinda, começava a achar que as lágrimas que derramava estavam chegando ao fim. Não conseguia entender como tinha forças para chorar tanto o choro de seu coração partido, como ainda conseguia sentir o gosto já tão conhecido das lágrimas salgadas. Lá fora, caía uma chuva fina que vinha acompanhada de um frio cortante, que ela nem conseguia aproveitar como gostava de fazer — com um bom vinho, ou um capuccino —, pois tudo isso lembrava aquele que partira há algum tempo e que a deixara tão machucada.<br />
E assim iam-se os dias. Ainda chorava, ainda soluçava, mas sentia que aos poucos a ferida ia se fechando. Deixaria uma cicatriz, como cada marca feita no corpo, seja ela feita ou na pele, ou dentro dele, mas com o tempo esqueceria a dor. Assim pensava. Assim desejava.<br />
Pensando e sentindo assim, foi se dando conta de que o normal era mesmo este: que o coração se desvanecesse em lágrimas. É que, quando se amava, ele inchava, de amor, de alegria, de felicidade, de desejo. Contudo, se esse amor não perdurava por qualquer motivo, era preciso que diminuísse. Então, as lágrimas saíam pelos olhos e levavam junto todos os sentimentos que o coração havia guardado consigo durante o tempo em que estivera amando, mesmo que esses sentimentos não tivessem sido correspondidos. Os dela haviam sido, pelo menos pensava que sim, mas seu fim tão brusco trouxera uma dor inominável. Ela continuava seu dia a dia, no entanto.<br />
Dia após dia, assim, esperando o coração desinchar, ela ia se recuperando. As lágrimas iam ficando menos frequentes, a dor ia passando, e seu coração, que antes ocupava um lugar enorme no peito, agora voltava ao tamanho normal.<br />
Até o dia em que ele recebesse de novo a carga de sentimentos em virtude de outro amor. Correspondido ou não.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-42388717062839894302014-03-13T23:28:00.001-03:002014-03-13T23:29:13.839-03:00Desencontro<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-Zpu-OKMe8no/UyJoxB2gvoI/AAAAAAAABMU/GnqQD_boqVM/s1600/Encontrando+com+meu+desencontro.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-Zpu-OKMe8no/UyJoxB2gvoI/AAAAAAAABMU/GnqQD_boqVM/s1600/Encontrando+com+meu+desencontro.jpg" height="241" width="320" /></a></div>
<br />
Entrou na livraria sem nenhuma intenção programada. Pensava apenas em olhar as novidades. Passou por uma prateleira, passou por outra, nada chamou sua atenção, até que, entre um livro e outro, no espaço exíguo formado sem querer, viu uma moça sentada numa das mesas. Seus cabelos caíam em ambos os lados do rosto, escondendo-o um pouco, mas dava para ver que era bela. Pensou por dois segundos no que faria. Atrapalhar sua leitura e puxar conversa? Mas falar de quê? Um sentimento desconhecido de timidez o invadia, desconhecido mas forte. Desconcertado, não com a visão que tinha mas com a própria reação, decidiu que aquele não era o momento, deu meia-volta e saiu à rua.<br />
<br />
De seu lado, a moça, mergulhada na leitura, havia visto aquele moço que acabara de entrar sem muita intenção. Que cara charmoso, pensou ela. Mas ele tinha ido para o meio das prateleiras e ela o havia perdido do olhar. Por isso, voltou ao texto, de quando em vez sentindo a cabeça por conta própria dar uma volta pelo espaço. Será que ele me viu? E se ele se sentasse aqui, o que eu faria? Pensava, enquanto lia; lia, e pensava. Não o viu sair.<br />
<br />
E o início da noite foi assim: ele, com as mãos nos bolsos sem rumo pelas calçadas, sentindo o frescor da brisa e tentando imaginar o cheiro daqueles cabelos. Ela, tentando fixar a atenção na leitura, mas querendo que tivesse tido a oportunidade de mostrar quem era. Por timidez de um e passividade de outra, a noite acabou assim, cada um no seu canto. Sem saberem que aquele encontro que não acontecera não tinha sido por acaso.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-1261827813749972932014-03-11T22:49:00.000-03:002014-03-11T22:51:16.098-03:00Saudade<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-_PRrpBsCGAw/Ux-8osVMQiI/AAAAAAAABME/et4A78r2Kc4/s1600/saudade1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-_PRrpBsCGAw/Ux-8osVMQiI/AAAAAAAABME/et4A78r2Kc4/s1600/saudade1.jpg" height="253" width="320" /></a></div>
<br />
E de repente a saudade invadiu meu coração. Sem saber como nem de onde veio, em um longo suspiro veio a sensação de aperto no peito, misturada com certo torpor, como se estivesse envolta em uma nuvem. Saudade de quê? Do amor que passou? Dos momentos felizes? De algum amigo distante? Não consegui localizar. Então, simplesmente me deixei envolver pelo sentimento. Entrei nele devagar, ao mesmo tempo que permitia que ele se instalasse em mim, numa troca de corpos de densidades diferentes. E o aperto do peito foi se abrandando, deixando no lugar um doce sentimento de felicidade. Porque a saudade nem sempre é do que passou, ou foi embora, ou não volta mais. Pode ser do que ainda está por vir. E aí podemos sentir a intensa alegria de algo que não sabemos conscientemente que vai acontecer, mas que apenas intuímos. A saudade, nesse caso, tem muito de premonição. Ou pode também ser apenas o sentimento vindo de um sonho, de um desejo que cala fundo na alma e que ainda não conseguimos identificar. Do que sentia saudade, então? Num ponto de angústia, percebia que minha saudade não tinha objeto. Ela simplesmente existia por si só, como um ser autônomo. E por ter autonomia, tinha vindo me visitar. Enquanto via a noite cair pela janela, o início da noite que também me enebria, deixava esse sentimento crescer. E fui ficando leve. E feliz. E acariciada. Como se fosse uma meditação, e porque não encontrava o objeto da saudade, eu não pensava, apenas sentia.<br />
<br />
E assim, em algum momento, percebi que o que eu sentia era saudade de sentir saudade.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-62505073667379192052014-03-08T19:39:00.000-03:002014-03-08T19:39:23.269-03:00Sobre um 8 de março futuroEste foi meu texto do ano passado sobre o dia 8 de março, publicado no Facebook. Este continua a ser meu desejo para este ano. Com um acréscimo: que saibamos perceber o discurso da mulher-objeto que está renascendo travestido de novo feminismo. Isso é muito sério.<br />
<br />
Como em anos anteriores, vou continuar desejando que esse Dia Internacional das Mulheres não precise mais existir, não porque deixamos de ser importantes ou merecedoras, mas porque passamos de minorias muitas vezes agredidas, sucumbidas, prisioneiras a seres humanos com seus direitos respeitados. Enquanto isso, a cada 8 de março devemos lembrar de todas aquelas que passam por maus-tratos, físicos mas a maior parte deles psicológicos, daquelas que têm suas escolhas profissionais ou sexuais cerceadas, daquelas que são tomadas como seres biologicamente determinados e por isso não podem escolher não ter filhos e privilegiar a carreira, daquelas que enfrentam isso mas ouvem constantemente a pergunta "quando você vai se casar?" ou "não se casou por quê?", como se suas vidas só passassem a existir em função de um homem. Porque, em muitos, muitos aspectos, mais do que quero admitir aqui, ainda estamos vivendo no século XIX e em alguns casos na Idade Média, e estou falando somente de Brasil. Lá fora a coisa costuma ser até pior. Lembremos também daquelas que atendem ao chamado da maternidade mas que, como se tivessem de pagar por isso, se desdobram em mil para cuidar dos filhos gerados e do maior deles, daquele que deveria dividir com ela a vida mas a transforma na segunda mãe: seus maridos. E como esquecer daquelas que fazem da bandeira da [falsa] proteção masculina um estilo de vida, sem ao menos perceber que perpetuam o mesmo discurso machista que tentamos combater. A estas, desejo uma luz em sua mentalidade. A todas as outras, que conseguem perceber os discursos subliminares, mesmo que somente alguns, meu estímulo de que as dificuldades continuem sendo vencidas, de que elas queiram mais respeito do que qualquer outra coisa e que saibam ensinar a seus homens - namorados, maridos, amantes, irmãos, pais, amigos, colegas - que a igualdade entre os sexos não significa apagar as diferenças, mas significa sobretudo deixar a cada um a escolha do próprio caminho. Feliz Dia Internacional das Mulheres a todas vocês que partilham da dificuldade e da beleza de ser mulher. A minhas amigas, primas, tias queridas, um grande beijo.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-55620553778626510462014-03-03T17:12:00.000-03:002014-03-03T17:12:29.816-03:00E o que fica?<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
E o que fica depois que acaba a paixão? A verdade.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-8IJFkTwgV-w/UxTh1kfo8nI/AAAAAAAABLA/KB1MXpBLXdo/s1600/IMG_1236.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-8IJFkTwgV-w/UxTh1kfo8nI/AAAAAAAABLA/KB1MXpBLXdo/s1600/IMG_1236.JPG" height="240" width="320" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
A doce e redentora verdade.</div>
<div>
<div>
<br /></div>
</div>
Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-81737668936219802912014-02-09T19:28:00.000-02:002014-02-09T19:28:46.664-02:00DesintoxicandoQueria poder dizer que nessa última semana longe do Facebook eu li mais livros, vi mais filmes, encontrei mais os amigos. Nada disso aconteceu. Eu me concentrei, sim, mais no meu trabalho, mas isso não é relevante, pois querendo ou não tenho de fazê-lo. Meu tempo longe da principal rede de interação "social" teve outro ganho.<br />
Quando decidi desativar por um tempo a página, num sábado vindo de uma semana estressante e com acontecimentos que me deixaram bastante chateada, dentro e fora da rede, eu queria experimentar esse lugar fora. Fechar a porta da sala redonda e ficar em frente a ela, sem abri-la. Achei que nos últimos dias o tempo na rede, em discussões, curtidas e comentários muitas vezes infrutíferos, estava consumindo um tempo precioso: aquele dedicado a mim.<br />
Confesso que ativar aquele botãozinho e receber a mensagem chantagista de que Fulano e Sicrano "vão sentir sua falta" se você sair foram um desafio excitante. Para quem não sabe, a página faz isso com seu usuário: avisa-o de que fará falta a seus amigos, e isso soa quase que como uma ameaça. Como adoro desafios, fiz o que eles não queriam que eu fizesse, pensando: "Será que vão mesmo?"<br />
Sim, algumas pessoas sentiram minha falta. Entre mensagens diretas por outros meios (Twitter, que continuei usando, WhatsApp, e-mails, telefonemas...) e indiretas dadas por outras pessoas, espantaram-se com minha ausência, coisa que meu ego, devo confessar, agradeceu. Me senti querida, e por isso devo agradecer a esses amigos. ♥ Vocês são uns fofos! Realmente, saber que nossa ausência é mesmo notada faz bem, acho que todo mundo concorda.<br />
Mas não foi isso que eu queria testar ao desativar meu perfil. Queria encontrar novamente minha solidão. Não aquela que sentimos quando estamos sem um companheiro, amoroso ou não, mas a que temos conosco desde que nascemos até ao irmos embora, sabe-se lá Deus para onde, deste mundo insano. Queria sentir esse medo e essa ausência de algo que sentimos todo o tempo e que muitas vezes mascaramos com amores tóxicos, compras excessivas, drogas, futilidades mil, barulhos, barulhos e mais barulhos. Aquela que nos toca profundamente e que faz a maioria de nós procurar desesperadamente a outra metade da laranja e jogar sobre ela toda a nossa carência. Aquela que nos faz ter medo de ficarmos com a única pessoa que nos faz companhia todo o tempo: nós mesmos. Estava sentindo falta dela. Porque existe outro elemento, nesta era em que vivemos, que a mascara: as redes sociais. A incrível sensação de estarmos cercados de pessoas, mesmo quando estamos sozinhos em um computador. Isto não é um problema: estar numa rede social na web e interagir. O problema é a compulsão por interagir. Por postar tudo. Por saber de tudo. Por se fazer presente por meio de fotos, comentários, postagens, curtidas, todo o tempo, de manhã à noite, mesmo quando estamos num bar com amigos. Algumas pessoas, segundo pesquisa recente que vi comentada em um programa de TV, não largam as redes pelo celular nem mesmo quando estão fazendo sexo! Sim! Não consegui entender muito bem como pode uma coisa dessas acontecer, mas acho que é revelador do quanto estamos, talvez, doentes. A porcentagem de pessoas que não estão presentes para o outro nem durante o sexo é grande, segundo a pesquisa. Confissão: depois do espanto veio o medo.<br />
Não sou dessas. O celular é, para mim, um instrumento de comunicação e atualmente de entrada no mundo virtual, sim, mas me dou o direito de mantê-lo sem som quando durmo, não o deixo ligado em eventos e ambientes em que deve estar desligado, como cinemas, teatros e reuniões, não o levo para o banheiro (juro: algumas pessoas já me mandaram mensagens dizendo que estavam ali, melhor não saber fazendo o quê), e, o mais importante, evito ao máximo, o quanto posso, ficar na rede quando estou em um encontro com amigos, principalmente se estiver a dois, ou a duas. Porque não há nada mais desagradável que não dar nem receber atenção do outro que está ali com você. Sim, sou chata. Sei disso. Sou antiga. Ponto.<br />
Mas voltando à solidão: precisava senti-la, desconectar, desintoxicar. Sentir o vazio que se sente quando não se tem com quem interagir. Sentir minha respiração. Deixar a cabeça voar. Pensar no que quero para mim. E descobri que o que quero e o que devo fazer é isto: voltar, sim, para as redes, que infelizmente são imprescindíveis para mim, em função do trabalho e das pessoas com quem convivo, mas me dar o direito de sair delas quando quiser. Ser menos presente, talvez? Não sei. Principalmente isto, com certeza: a vida aqui fora precisa de atenção. E gostei de perceber isso. Porque os principais momentos, os mais importantes e lindos da minha vida e da vida de qualquer pessoa não são passados em uma rede social. E não devem ser compartilhados.<br />
Acho que é isso.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-79392876921579968542013-11-06T23:18:00.000-02:002013-11-06T23:18:52.155-02:00Sobre nuvens e sonhosUm dia, ela disse ao vento, o único que parecia ainda escutá-la, que estava cansada de sonhar. Sonhar e ter de desistir dos sonhos:<br />
— Afinal, os sonhos são como nuvens. Uma hora as olhamos, e elas estão lá, mas basta nos desviarmos que elas se esfumaçam e viram outra coisa.<br />
— Sim, os sonhos são como nuvens. Já reparou como um céu sem nuvens é límpido e claro? Quase se pode tocá-lo de tão presente. No entanto, já observou que um céu com belas nuvens brancas, em suas diversas formas, também é lindo? As nuvens trazem graça ao céu, modificam sua forma, sua luz, sua cor. As nuvens fazem parte do céu, apesar de nem sempre estarem presentes. E assim também são os sonhos. Por mais que se queira não mais sonhar, por mais que se queira manter o céu azul sem mácula alguma, em algum momento uma nuvem vai aparecer. E é nesse momento que a vida se modificará. Uma nuvem é um acontecimento, uma mudança de vida, um novo amor, ah, o amor. É o que faz a vida ficar diferente, é o que força você a se modificar. A nuvem é necessária, assim como o sonho. Na medida certa, ela emoldura o céu, assim como o sonho emoldura a vida. Só é preciso tomar cuidado, porque nuvens em excesso são sinal de tempestade. Elas impedem a visão do céu, oprimem, escurecem. Como os sonhos em excesso, que fazem com que nos fechemos em nós mesmos. É preciso equilíbrio.<br />
— Mas as tempestades trazidas pelas nuvens são boas, elas limpam o céu. Eu adoro tempestades.<br />
— Sim, você entendeu, moça. Quando seu céu se encher de tempestades, espere que elas passarão, e aí volte a sonhar e a realizar seus sonhos, passo a passo. E de vez em quando vire seu rosto para o céu para admirar seu azul infinito sem nuvens. Mas não as espante. Elas são a surpresa da vida.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-58334698405913690762013-11-04T11:26:00.000-02:002013-11-04T11:26:34.431-02:00Ausência<div class="MsoNormal">
Acordou naquela manhã como fazia todo dia, depois de ele já
ter se levantado e saído para o trabalho. Então, não estranhou sua ausência.
Levantou-se, lavou-se, vestiu-se e tomou um café devagar, um café preto amargo,
como gostava de fazer, para tirá-la da letargia do sono da noite. E saiu para
mais um dia produtivo que só terminaria com o sol já ido para seu descanso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Voltou para casa com o dia já escurecido e a encontrou
vazia, como sempre. Ele saía antes e voltava depois, por isso não estranhou sua
ausência. Tirou a roupa, tomou um banho e preparou algo para comer. Planejava
terminar o livro que havia começado na semana passada. Enquanto isso,
aguardaria sua chegada, quando então se sentariam à mesa e ele lhe contaria
todos os problemas do dia – e nunca eram poucos. Mas esse momento não chegou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A hora foi passando, a hora de ele chegar também passou
junto. Pegou o celular, ele tocou a três metros de distância. Ele o havia
esquecido em casa. Então, como não havia saída, esperou. Esperou no sofá, lendo
seu livro, depois na cama, com a luz do abajur acesa a iluminar seu rosto
preocupado e apreensivo. Até que adormeceu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Acordou, então, na manhã seguinte como fazia todo dia, com a
diferença de que sabia que ele não havia se levantado e saído. Não havia sinal
nenhum de sua presença, de sua chegada com ela adormecida. Então, como era de
seu temperamento, fez o que sempre fazia para tomar uma atitude: lavou-se,
vestiu-se e tomou um café, desta vez não tão devagar, um café preto amargo,
como gostava de fazer, para tirá-la da letargia do sono da noite. Ligou para os
amigos em comum, para os amigos dele, para os parentes, para o trabalho. Teria
perguntado ao cachorro, caso tivessem um. E saiu para um dia de buscas que só
terminaria com o sol já ido para seu descanso: delegacias, hospitais, qualquer
lugar que lhe viesse à mente. Sem sucesso, voltou para casa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E foi assim nos próximos dias. A polícia fazia buscas, os
amigos faziam buscas, ela também buscava, enquanto esperava. E pensava. E
imaginava.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Angustiada, tentava adivinhá-lo perdido sem memória por aí,
caído numa sarjeta ferido ou morto depois de um assalto, enfiado com uma amante
num motel de quinta, qualquer fato, qualquer acontecimento, menos ou mais
trágico.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E assim os dias foram passando. Os dias, as semanas, os
meses... Ela olhava em casa. Nenhum sinal de sua ausência. Ao contrário, sua
presença manifesta: as roupas no armário, o aparelho de barbear na pia do
banheiro, os chinelos embaixo da cama, o celular esquecido (será?) na mesa de
canto da sala, o livro lido pela metade, um fio de cabelo, um perfume que aos
poucos se esvanecia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em alguns momentos ela chorava, em outros apenas sentia. Mas
o choro, assim como o sentimento, ia diminuindo. Todos diziam que ele estava
morto. Algo lhe dizia que apenas fora embora.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E assim passou-se o tempo. Ela, aos poucos, foi
melhorando da tristeza. E mudou sua rotina. Como não havia mais como sentir a ausência
em uma parte do dia, como não tinha mais a quem esperar à noite, ela se
levantava, se lavava, se vestia, tomava um café não mais tão amargo, comia algo
e saía para o dia. Nem sempre voltava para casa direto do trabalho. Às vezes
encontrava amigos, às vezes ia ao cinema sozinha, às vezes passava em uma
livraria ou tomava um café na cafeteria charmosa a que quase nunca ia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ela vivia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E foi assim que, um belo dia, sem ela esperar, ou pensar, ou
lembrar, ouviu a chave girar na porta. Ele entrou. Entrou como se nunca tivesse
saído. Não sabia se usava as mesmas roupas, pois não o tinha visto sair da
última vez, mas não via nele nada de diferente. Ele entrou e a olhou, e lhe
disse que precisava lhe explicar o porquê da ausência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ela nada falou. Saiu de onde estava, foi até a escrivaninha
da sala ao lado e pegou um bilhete. Um bilhete de despedida. Um bilhete dele
para ela. “Amor, precisei partir. Precisava viver outras coisas diferentes da
vida que levamos. Desculpe se não a levo comigo. Viva também outras coisas
diferentes da vida que leva. Te abraço com carinho. Seu.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ele leu o bilhete e a olhou com olhos questionadores. “Mas...
eu não escrevi isto. Não deixei nada escrito.” “Eu sei. Mas eu precisava
justificar sua ausência. Precisava seguir. Ela já foi preenchida, não precisa
mais me explicar por quê.” Ele a olhava ainda sem entender. “Eu vivi, como você
viveu. Não há mais ausência. Porque não sinto mais falta de mim.”</div>
<div class="MsoNormal">
E pediu que ele se fosse. Não o esperava mais. Aprendera, na
dor da ausência, a saber que esta sempre existiria enquanto sentisse falta de
si mesma. Não sentia mais falta de si mesma. Era feliz.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-76669059898420315692013-11-03T13:54:00.000-02:002013-11-03T13:54:22.015-02:00"Caminhante, não há caminho,/ se faz caminho ao caminhar"Quando a vida toma um bom rumo e as coisas começam a entrar nos eixos, mas você insiste em se agarrar ao que lhe puxa para baixo, a culpa é de quem? Da vida, que insiste em colocar dificuldades em seu caminho, ou sua, que insiste em ver as dificuldades sem olhar para o que está acontecendo de bom? Uma coisa é certa, apesar de clichê: abrir a janela e olhar para fora quer dizer olhar para fora de si mesmo e ver o mundo de possibilidades que estão ali, à disposição. Isso não significa que as coisas virão facilmente. Você terá que dar um passo em direção a elas: abrir a porta e sair para o mundo ou, se for mais afoito, pular a janela e ir em busca de algo novo. Porque o limite do nosso desejo se estabelece no limite do desejo do outro, sendo esse outro uma pessoa ou um fato. Se os dois limites se intercambiarem, como a famosa imagem das duas alianças que se unem guardando dois inteiros, ótimo, vá em frente. Do contrário, recue alguns passos, olhe para um lado, olhe para o outro, e busque outra saída. Sempre há uma saída. O que acontece é que muitas vezes não a enxergamos, carregados que estamos de nossas tristezas, mágoas e dificuldades.<br />
Siga em frente. Porque, como diz o poeta, "caminhante, não há caminho,/ se faz caminho ao caminhar".<span style="color: #ffffcc; font-family: Verdana;"><span style="font-size: 14px;">.</span></span>Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-35953680201734841742013-10-23T18:14:00.000-02:002013-10-23T18:14:05.232-02:00Sobre relacionar-seEstou numa fase de jogar fora tudo o que é supérfluo e que só atravanca a vida, desde objetos e coisas até pessoas e sentimentos. Foi nessa que, esvaziando minha caixa de e-mails, que já passava de 5 mil, encontrei este pequeno texto guardado como rascunho. Lembro de quando o escrevi, há alguns anos. A ideia não mudou; pelo contrário, só se fortaleceu. Não admito, há muito tempo, nada diferente disto:<br />
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<div style="text-align: center;">
Continuo aprendendo que relacionamento, seja ele qual for, é sempre uma via de mão dupla. É troca, não uma anulação pessoal ou do outro. Que respeito e confiança são primordiais, e revelam se o que se sente é mesmo algo que valha a pena ou simplesmente sentimento de posse e carência. Que o outro não é o primeiro nem o último no mundo, e que, mesmo que doa, às vezes é melhor deixar ir, ou você mesmo virar as costas e partir em outra estrada. Que nada melhora com o tempo se já não for bom, e que quem gosta de você quer vê-lo feliz, não dentro de uma forma. Que a individualidade deve ser preservada. E que uma coroa é sempre uma gaiola ou uma corrente, mesmo sendo de ouro.</div>
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Eu sei, não é muito romântico. Mas quem disse que o romantismo nos faz felizes? Quer ser feliz? Aprenda a conviver sobretudo com o defeito do outro. Porque as qualidades, estas são bônus.<br />
E se depois de tudo isso aquele que você ama for embora, lembre-se: é terrível, mas o outro tem todo o direito de não querer você. Simples assim. Não se descabele, pelo menos não por muito tempo.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-69664840752579600902013-10-17T21:10:00.000-03:002013-10-23T18:01:37.527-02:00Numa manhã de domingoAcordara naquela manhã com uma sensação estranha. Teria sido apenas um sonho? Olhou à volta — tudo igual à noite anterior. O controle da TV jogado no canto do colchão, a cama desfeita, mas que lhe lembrava uma solidão que se estendia há algum tempo, a cortina meio entreaberta, deixando, agora que amanhecia, entrever a luminosidade do dia, enquanto na noite anterior revelava um facho da lua. Na cadeira perto da porta, a calça e a camisa que tirara antes de se deitar, um pouco bêbado do vinho que tomara. Mas nenhum sinal dela. Da moça com quem dormira. Sentiu seu cheiro, seu gosto, o toque da sua pele, alva e macia. Lembrava da sua língua na sua língua, do gosto do seu sexo, da maciez das suas coxas, do calor das suas pernas. Mas começava a achar que sonhara. Um sonho erótico como tantos outros que vinha tendo.<br />
Levantou-se ainda inebriado, querendo voltar para aquele aconchego fumegante. Foi até o banheiro, lavou o rosto para tentar acordar de vez, até que da porta aberta enxergou a luminosidade do outro cômodo. Em cima da mesa, um papel chamou-lhe a atenção. Foi até ele. Apenas algumas palavras: "Estive aqui, estive com você, saí enquanto dormia. Foi um sonho que se tornou realidade. Não se esqueça de mim. L."<br />
O desespero lhe tomou conta. Então não havia sido um sonho! Mas onde ela estava? Abriu a porta da sala, mas se deu conta de sua nudez, então voltou para ao menos vestir as calças. E então se mandou escada abaixo. Uma escada em caracol, que o deixava tonto enquanto a descia. Os degraus, poucos, que estava acostumado a descer e a subir todos os dias, pareciam agora caminhos intermináveis que não dariam em lugar algum. Finalmente, a porta da rua. Um lado, outro, nada. Somente a quase claridade de um dia que amanhecia. Ruas desertas. Orvalho da manhã. Solidão. Pôs-se então a andar, desolado. Não entendia como aquela letra, L, havia entrado e saído da sua vida assim, tão de repente e sem rastro. Apenas sensações. Nenhuma prova física — ou quase nenhuma.<br />
Andou por uns minutos com as mãos no bolso da calça, sentindo frio por causa do dorso desnudo, até que chegou à praça ao lado de onde morava. Uma moça ali estava, sozinha, encostada na grade que cercava a área infantil. Seus cabelos castanhos caíam em cascata pelos ombros. No corpo, um vestido simples, em tom róseo, mas bem ajustado. Sapatos de salto baixo, nenhuma maquiagem. Não podia ser aquela moça. Não tinha lembrança dela. Então resolveu perguntar. Quem sabe? E chegou mais perto, até que uma brisa soprou e aquele cheiro, aquele cheiro da noite anterior invadiu suas narinas, seu corpo, suas veias. Era ela, novamente com todo o fascínio que havia sentido e que agora vinha claramente à memória.<br />
— Por que você partiu?<br />
— Por que só ficaria se você realmente me sentisse. Agora que você me encontrou, eu posso voltar.<br />
E voltaram para o aconchego do leito, de mãos dadas, na manhã fria daquele domingo.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-80309110862956217502013-10-16T17:09:00.001-03:002013-10-16T17:09:28.006-03:00Falta, desejo, vidaOntem, numa conversa ao telefone, me dei conta da importância da falta. Não estou falando aqui de saudades, ou seja, da falta de alguém, ou da falta do básico da vida. Estou falando da falta que nos move, aquela que produz o desejo de algo, desejo esse que nos mantém vivos. Ter falta é essencial para viver, porque quando ela acaba, quando a satisfação é completa, corremos o risco de cair em depressão ou buscar satisfação em coisas não muito boas, como vícios altamente destrutivos. Ter falta é o móbile do desejo, de produção do desejo. E não falo aqui de desejo sexual, mas de desejo de vida, que passa, sim, pelo sexo, mas que vai muito além dele. É desejo de estar vivo, de ser inteiro. Ter falta é viver a incompletude e saber, mesmo sem o saber de fato, que temos de estar sempre na busca. É aquele vazio interno que num piscar de olhos se transforma em criatividade: um filho, um novo amor, um novo trabalho, uma bela viagem, um processo de autoconhecimento... Não passa pelo consumismo. Este, ao contrário, engole a falta e dá a sensação momentânea de saciedade, fazendo-nos perder o contato com nossa sensação mais básica. A falta produz vida, produz calor. A falta nos faz criar um caminho novo para uma vida que tende a ser morna, caso o deixemos. Por isso é preciso que produzamos todo o tempo o desejo que vem da falta. Mas esse desejo não pode ser destrutivo; ao contrário, deve ser produtivo. É ele que nos move.<br />
Em suma, é isto: sem falta não há desejo, e aí não há vida. A falta é necessária. Por isso, quando sentir seu vazio, aquele buraco que o preenche e causa desconforto, não tente preenchê-lo. Observe-o apenas e veja o que ele lhe traz. Entregue-se à criatividade que vem dessa falta e movimente sua vida. Porque não há espaço para o novo no que está completamente cheio.<br />
Esta tirinha resume bem o que quero dizer. Eu a adoro:<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-Qu-MB-p_eqw/Ul7xoB6wLkI/AAAAAAAABKo/ZgUR7DrAcKg/s1600/290124_2297268035151_8178868_o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="247" src="http://2.bp.blogspot.com/-Qu-MB-p_eqw/Ul7xoB6wLkI/AAAAAAAABKo/ZgUR7DrAcKg/s400/290124_2297268035151_8178868_o.jpg" width="400" /></a></div>
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Eu também deixo o meu buraco vazio para que ele crie com o vento. E você? O que faz com o seu?<br />
<br />Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-56930630005052154962013-10-15T16:03:00.001-03:002013-10-15T16:03:18.501-03:00E foi-se...<div style="text-align: center;">
<img height="211" src="http://4.bp.blogspot.com/-dqE6pz__ork/UMm7rJg6T6I/AAAAAAAABEg/wea-N29O87A/s320/folhas_ao_vento1.jpg" width="320" /></div>
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Vivia na janela a suspirar, vendo o sol nascer, a chuva cair, o vento ventar, a lua surgir. Nada parecia ser possível de viver a não ser aquele recinto que a preenchia da abertura da janela para dentro. Até que um vento forte soprou, morno e convidativo, e trouxe consigo uma folha amarela a rodopiar. Foi o sinal de que precisava: subiu no parapeito da janela e, juntando-se à folha colorida, ventou para longe dali e nunca mais voltou.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-85015732819484530272013-10-14T22:29:00.000-03:002013-10-14T22:29:12.000-03:00Lágrimas e luzNaquele dia, ela chorava. Não um choro forte e abundante, mas lágrimas silenciosas que lhe desciam a face e iam se acomodar nas dobras do pescoço. Lágrimas que desciam quentes e que logo perdiam o calor em contato com o ar, e talvez com seu coração machucado. Estava cansada. Cansada dos tropeços nos caminhos, das idas e vindas, das curvas erradas que fazia. Queria desistir. Mas como? Não havia opção. A vida lhe havia sido dada sem que tivesse pedido, mas não podia ser deixada para trás sem um grande ônus: o de perder as coisas boas que ela trazia.<br />
Mas ela chorava mesmo assim. Pelos amigos que haviam partido, pelos amores não vividos, ou vividos pela metade, pelos sonhos desfeitos, pelos cortes profundos na alma que poucos, muito poucos, enxergavam. Porque seu sorriso era sempre radiante, luminoso. E ela só se permitia chorar em frente ao espelho. O único outro que conhecia sua dor tão profunda era ela mesma.<br />
Mas desta vez ela chorava ao ar livre. Cansada do seu espelho, que só refletia o que ela já conhecia, foi para o meio das árvores, escolheu uma e sentou-se recostada ao seu tronco. E chorou. Feito criança. Ou feito adulto, cujo choro guarda seiva muito mais encorpada que a de uma criança, pois alimentada pelas agruras da vida.<br />
E foi assim, chorando os amigos, os amores, os caminhos errados, a vida cansativa e permanente, que as lágrimas foram diminuindo, tanto em quantidade como em espessura. Foram se tornando pouco a pouco pequenos fachos quase sem sabor, até que viraram fachos de luz. E ela então passou a chorar luminosidade. Seu rosto ficou claro como o sol, e como o sol se aqueceu, e então o frio da alma foi substituído pelo calor da vida. Tudo o que havia de dor, de pesadume, de tristeza e de mágoa se transmutou em luz, alegria e paz.<br />
Sozinha, sem seu espelho, somente em contato com o universo, ela renascia.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-19518030741101059812013-10-14T19:34:00.000-03:002013-10-14T19:34:55.877-03:00Gisele<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-dCYsb0Qh6G8/UlxwE8epTWI/AAAAAAAABKY/uKYBXeB9XuM/s1600/1234323_655958677757336_116691526_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="http://4.bp.blogspot.com/-dCYsb0Qh6G8/UlxwE8epTWI/AAAAAAAABKY/uKYBXeB9XuM/s320/1234323_655958677757336_116691526_n.jpg" width="320" /></a></div>
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Um dia, no seu sobrevoo diurno, ela viu a grande fresta da janela e entrou. Estava cansada de voar por entre os prédios, e de repente aquele ambiente com flores lhe chamou a atenção. Além disso, o sol queimava suas asas, que eram especiais: albinas. Como era especial sua vida: alguns meses apenas, alguns meses para, livre do casulo aprisionador, voar pelos céus e descobrir a beleza da natureza.<br />
Mas ela era uma borboleta da cidade. Não havia conhecido os verdes campos, as flores cheirosas e belas, o sol quentinho amenizado pela brisa fresca. Havia nascido numa fresta de muro de um prédio antigo, em que seu casulo ficara preso o tempo necessário para que ela criasse asas e voasse. Suas asas que deveriam ser coloridas, mas que nasceram sem cor. E por isso ela era ainda mais bela. Mas não sabia disso. Somente os que a olhavam percebiam sua beleza diferente. Como sempre acontece com os seres especiais, que acabam desabrochando sob o olhar de outros seres especiais.<br />
E assim foi com esse serzinho voador, que passou a ser conhecido como Gisele enquanto, sem o saber, era observado pelas donas da casa, que gentilmente cederam suas flores para que a visitante se sentisse mais bem recebida. Só que o inesperado, como sempre, aconteceu. Gisele não estava procurando conhecer o ambiente; ela estava procurando um lugar para repousar. Repousar seu sono eterno de borboleta. E assim foi. Em seu pouso delicado, deitou-se sobre o lírio e ali ficou, sem se mexer. Adormeceu para sempre, deixando no ar o perfume doce e especial de seu matiz diferente, fazendo como a bailarina do balé de mesmo nome: sendo delicada até o último momento de sua vida.<br />
Gisele, então, morreu no meio das folhas do lírio. E deixou na casa que recebeu sua visita a forte sensação de transformação que todas as borboletas trazem. Com um quê a mais: uma transformação para o diferente, como suas asas albinas. Gisele não sabia, mas o que ela veio fazer nessa casa foi dar um presente a suas donas. Ela as abençoou. Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-18008952199132352132013-10-13T21:05:00.001-03:002013-10-13T21:05:19.592-03:00O rio<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-HQdBFcGhwOs/Uls0NVAu9VI/AAAAAAAABKI/z7WOpMuyqJ4/s1600/WP_20131007_015.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://1.bp.blogspot.com/-HQdBFcGhwOs/Uls0NVAu9VI/AAAAAAAABKI/z7WOpMuyqJ4/s320/WP_20131007_015.jpg" width="179" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-size: x-small;">Foto tirada em 7 de outubro de 2013 no castelo de Chenonceau, no Vale do Loire, França.</span></div>
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Ela caminhava há horas, quando encontrou um rio. Cansada que estava, sentou-se à margem e ficou a olhar as águas que passavam, majestosas, seguindo seu curso predeterminado sabe por que força. Até que o vento veio em seu encontro. Como sempre acontecia, sussurrou palavras de boas-vindas e lhe perguntou:</div>
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— Mas o que faz sozinha aqui, nesse lugar tão longe?</div>
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— Busco paz ao meu coração.</div>
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— E o rio lhe passa isso?</div>
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— Ele me diz que as coisas passam, mesmo quando achamos que não. Me diz que nada é igual, como não são suas águas. Me diz que tudo tem um chão, como o fundo de seu leito, mesmo que a profundidade nos pareça tão grande que o abismo não acaba nunca.</div>
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— Muito bem, moça, você está amadurecendo. Mas há uma coisa de que nunca deve esquecer.</div>
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— O quê?</div>
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— O rio tem o tempo para passar. Suas águas correm no tempo delas. Ele não pode ser apressado, porque corre sozinho. E assim também é com os acontecimentos de sua vida. Tudo tem o tempo certo para acontecer. Por mais que não pareça, as coisas se desencadeiam de maneira perfeita. Com uma ressalva: desde que você esteja atenta ao movimento das ondas de sua própria vida.</div>
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— Como assim?</div>
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— Sua vida é única, moça. Os acontecimentos, as pessoas, os fatos, as dores, as alegrias — tudo isso é único para cada um. Não se mire nos outros, nunca. Porque, ao fazer isso, você perderá o correr de seu próprio rio. E só você pode saber para onde ele vai.</div>
<div>
E ela ficou ali, a mirar as águas, a pensar nos medos que tinha do que viria e do que não viria. Mas depois se lembrou que nada podia fazer quanto a isso, a não ser uma coisa: cuidar do fluxo do rio neste momento. Ele determinaria o fluxo futuro.</div>
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E assim enterrou fundo seus pés na lama molhada do leito fluvial. Sentiu a terra gelada e, mais do que nunca, sentiu a vida que corria em suas veias. Assim como no rio.</div>
Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-9872563961090823882013-10-04T17:54:00.000-03:002013-10-04T17:55:54.718-03:00Paris<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-__TL65DzJjo/Uk8pSKI47AI/AAAAAAAABJ4/7_xL8SLQpYw/s1600/WP_20131002_060.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="179" src="http://4.bp.blogspot.com/-__TL65DzJjo/Uk8pSKI47AI/AAAAAAAABJ4/7_xL8SLQpYw/s320/WP_20131002_060.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-size: x-small;">Foto tirada no Jardim das Tulherias na tarde de 3 de outubro de 2013.</span></div>
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Há nove anos, quando estive em Paris pela primeira vez, não imaginava que um dia iria conhecer esta cidade. E de repente me vi aqui. Agora, estou eu novamente a imaginar como pude ficar longe tanto tempo. Na verdade, não achei que fosse demorar a voltar, mas chegou um momento em que achei que não voltaria mais. Paris é assim: como uma paixão que nos toma sem que percebamos, ela nos marca para o resto de nossa existência. Durante muito tempo sentimos seu cheiro, seu clima, sua vida. Durante muito tempo, como aquele ou aquela a quem um dia amamos, desejamos sentir novamente seu corpo, que são suas ruas, seu hálito, que é sua brisa, suas mãos, que são sua gente, sua língua, que está em cada sabor, em cada vinho. A diferença é que as paixões, se não se transformam em amor, costumam acabar e virar doces lembranças. Paris, não. Paris fica para sempre. Como o grande amor que deveria ter sido, mas não foi. Aquele para o qual desejamos voltar.<br />
Paris: seu imaginário já nasce conosco. Como nossa vida.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0Paris, França48.856614 2.352221900000017748.6894645 2.0294984000000178 49.0237635 2.6749454000000177tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-42675655582742022352013-09-26T18:35:00.000-03:002013-09-26T18:35:57.528-03:00DescompassoUm dia, quando ela menos esperava, ele apareceu. E lhe cobriu de poesia. Era uma poesia para cada dia, e uma para cada hora de cada dia. Também era uma para cada estado de espírito que ele lhe adivinhava. Nunca havia se sentido tão acarinhada. Mas ela queria mais, e então lhe pediu gestos, além da poesia.<br />
Ele então lhe mandou flores. Todos os dias. Um tipo para cada dia, escolhido de acordo com a estação do ano. Ela amava o perfume das flores, amava suas cores, sua delicadeza. Nunca havia se sentido tão importante, afinal receber flores é uma das grandes manifestações de amor. Mas ela queria mais, e então lhe pediu presença, além das flores.<br />
Ele então lhe mandou beijos. Nos dias seguintes, ela recebia beijos pelo ar, em recados escritos, cantados e falados. Amava esses beijos. Sentia o frisson que lhe subia pela espinha cada vez que imaginava a língua que vinha com eles, o gosto da boca, o calor dos lábios. Nunca havia se sentido tão desejada. Mas ela queria mais, e então lhe pediu que a beijasse, além de lhe mandar seus beijos pelo ar.<br />
Ele não entendia. Não entendia como toda aquela atenção não era suficiente. Não entendia por que precisava haver mais. Ela tentava lhe explicar, por meio de gestos, pedidos, olhares, carinhos, que nada era tão importante quanto o encontro, não o que havia acontecido tão fortuitamente, mas o que deveria acontecer entre duas pessoas que se atraem e têm muito a dizer e a sentir.<br />
Ele queria continuar lhe mandando poesias, e flores, e beijos pelo ar. Ela queria receber tudo isso de suas mãos. Ela queria suas mãos.<br />
Ele queria sonhar com ela todas as noites, dormindo, acordado, ao amanhecer, nas primeiras horas da manhã. Ela queria transformar os sonhos em atos, queria acordar com ele, olhar seu rosto pela manhã, sentir a preguiça de dois corpos entrelaçados nas primeiras horas do dia.<br />
Ele queria imaginar como seria quando estivessem juntos. Ela queria ir ao seu encontro.<br />
Ele queria sonhar. Ela queria fazer.<br />
E por causa do descompasso dos verbos, eles não se entendiam.<br />
Ele se entristeceu. Não entendia por que ela queria mais. Ela se entristeceu. Não entendia por que ele queria menos.<br />
Ele continuou a sonhar. A imaginar poesias, e flores, e beijos.<br />
Ela o olhou, com lágimas nos olhos. Não podia viver somente de sonhos. Então partiu.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1114556664793788376.post-50631908036856490292013-09-22T20:09:00.001-03:002013-09-22T20:12:04.976-03:00Da arte de escrever... cartasTenho tido muita vontade de escrever... cartas. Isso mesmo. Daquelas em papel fino, do qual mesmo cinco folhas não tornam um envelope cheio. Daquelas que são escritas numa tarde sonolenta de domingo, ou no momento obscuro da noite, em que a vontade de dizer algo não pode mais ser ignorada.<br />
Acho que tenho vontade de escrever cartas porque elas levam um tempo. Tempo para ser escritas, para ser enviadas (e aí você pode realmente decidir se quer enviá-las ou não), para chegar ao destino. E aí tem mais aquele tempo de saber se o destinatário leu, gostou, e aí novamente o tempo de resposta.<br />
Numa carta, dava para perceber a mudança da letra em um momento ou outro: a redondinha e bem escrita do início, quando ainda estamos começando, e a mais largada do fim, quando já estamos cansados e o punho começa a doer. Também é possível desenhar nas margens: coraçõezinhos, solzinhos, nuvenzinhas. E podemos perfumar o papel, caso queiramos que vá junto com nossa letra algo mais: o nosso cheiro.<br />
Adoro os meios modernos de comunicação. Adoro receber e-mails, SMS de bons-dias, mensagens no WhatsApp, recados nas redes sociais... Mas a carta guardava algo de mais pessoal, porque guardava o tempo, o aconchego, a suspensão... tudo isso que é muito humano.<br />
Há diversos filmes que falam sobre as relações por correspondência, amorosas ou não. Um deles é <i>A casa do lago</i>, em que um homem e uma mulher, separados no tempo de dois anos, conseguem se corresponder e se conhecer. Em uma das cenas, ela está sentada lhe escrevendo quando sabe da morte do pai dele. Pela impossibilidade do telefonema, o texto se transforma num carinho feito pela escrita, em que ela diz que gostaria de estar ali, com ele, e olhar o lago da casa que seu pai havia construído para sua mãe. Dá para sentir o abraço que se transforma num refúgio de segurança, dá para sentir o apoio, porque há calor.<br />
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<a href="http://1.bp.blogspot.com/-xoSXuAuFocg/Uj92dxkFufI/AAAAAAAABIo/L8zcep_IXTI/s1600/lakehouse_03.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="http://1.bp.blogspot.com/-xoSXuAuFocg/Uj92dxkFufI/AAAAAAAABIo/L8zcep_IXTI/s320/lakehouse_03.jpg" width="320" /></a></div>
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A outra cena se passa em <i>Orgulho e preconceito</i>, em que a personagem principal está sentada junto à janela a escrever. Ela olha pelo vidro, respira, pega a pena e, com traços bem delineados e vagarosamente, começa a carta endereçada à irmã: "Dear Jane". Sente-se o tempo da escrita, do pensar, do respirar. Há carinho, pausa, há momento de reflexão. Tudo isso numa manhã preguiçosa, em que não há nada mais a fazer a não ser falar com quem se ama.<br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-kbRlpTfY8xg/Uj926_7XsfI/AAAAAAAABIw/9BTGCHXcqio/s1600/orgulho+e+preconceito+03.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-kbRlpTfY8xg/Uj926_7XsfI/AAAAAAAABIw/9BTGCHXcqio/s1600/orgulho+e+preconceito+03.jpg" /></a></div>
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As cartas guardavam o inusitado, a espera da esperança, a ansiedade. Elas tinham vida, porque havia ali um pedacinho daquele que escrevera.<br />
Quero voltar a escrever cartas. Não porque escrever e-mails seja ruim, mas porque preciso desse tempo da pausa da caneta sobre o papel, do cuidado em dizer algo, porque não há como apagar.<br />
Quero voltar a escrever cartas, e talvez elas levem consigo desenhos nas margens e um suave perfume nas folhas. Para que se lembrem de mim.Débora de Castro Barroshttp://www.blogger.com/profile/17453454856978184269noreply@blogger.com0