Acordou naquela manhã como fazia todo dia, depois de ele já
ter se levantado e saído para o trabalho. Então, não estranhou sua ausência.
Levantou-se, lavou-se, vestiu-se e tomou um café devagar, um café preto amargo,
como gostava de fazer, para tirá-la da letargia do sono da noite. E saiu para
mais um dia produtivo que só terminaria com o sol já ido para seu descanso.
Voltou para casa com o dia já escurecido e a encontrou
vazia, como sempre. Ele saía antes e voltava depois, por isso não estranhou sua
ausência. Tirou a roupa, tomou um banho e preparou algo para comer. Planejava
terminar o livro que havia começado na semana passada. Enquanto isso,
aguardaria sua chegada, quando então se sentariam à mesa e ele lhe contaria
todos os problemas do dia – e nunca eram poucos. Mas esse momento não chegou.
A hora foi passando, a hora de ele chegar também passou
junto. Pegou o celular, ele tocou a três metros de distância. Ele o havia
esquecido em casa. Então, como não havia saída, esperou. Esperou no sofá, lendo
seu livro, depois na cama, com a luz do abajur acesa a iluminar seu rosto
preocupado e apreensivo. Até que adormeceu.
Acordou, então, na manhã seguinte como fazia todo dia, com a
diferença de que sabia que ele não havia se levantado e saído. Não havia sinal
nenhum de sua presença, de sua chegada com ela adormecida. Então, como era de
seu temperamento, fez o que sempre fazia para tomar uma atitude: lavou-se,
vestiu-se e tomou um café, desta vez não tão devagar, um café preto amargo,
como gostava de fazer, para tirá-la da letargia do sono da noite. Ligou para os
amigos em comum, para os amigos dele, para os parentes, para o trabalho. Teria
perguntado ao cachorro, caso tivessem um. E saiu para um dia de buscas que só
terminaria com o sol já ido para seu descanso: delegacias, hospitais, qualquer
lugar que lhe viesse à mente. Sem sucesso, voltou para casa.
E foi assim nos próximos dias. A polícia fazia buscas, os
amigos faziam buscas, ela também buscava, enquanto esperava. E pensava. E
imaginava.
Angustiada, tentava adivinhá-lo perdido sem memória por aí,
caído numa sarjeta ferido ou morto depois de um assalto, enfiado com uma amante
num motel de quinta, qualquer fato, qualquer acontecimento, menos ou mais
trágico.
E assim os dias foram passando. Os dias, as semanas, os
meses... Ela olhava em casa. Nenhum sinal de sua ausência. Ao contrário, sua
presença manifesta: as roupas no armário, o aparelho de barbear na pia do
banheiro, os chinelos embaixo da cama, o celular esquecido (será?) na mesa de
canto da sala, o livro lido pela metade, um fio de cabelo, um perfume que aos
poucos se esvanecia.
Em alguns momentos ela chorava, em outros apenas sentia. Mas
o choro, assim como o sentimento, ia diminuindo. Todos diziam que ele estava
morto. Algo lhe dizia que apenas fora embora.
E assim passou-se o tempo. Ela, aos poucos, foi
melhorando da tristeza. E mudou sua rotina. Como não havia mais como sentir a ausência
em uma parte do dia, como não tinha mais a quem esperar à noite, ela se
levantava, se lavava, se vestia, tomava um café não mais tão amargo, comia algo
e saía para o dia. Nem sempre voltava para casa direto do trabalho. Às vezes
encontrava amigos, às vezes ia ao cinema sozinha, às vezes passava em uma
livraria ou tomava um café na cafeteria charmosa a que quase nunca ia.
Ela vivia.
E foi assim que, um belo dia, sem ela esperar, ou pensar, ou
lembrar, ouviu a chave girar na porta. Ele entrou. Entrou como se nunca tivesse
saído. Não sabia se usava as mesmas roupas, pois não o tinha visto sair da
última vez, mas não via nele nada de diferente. Ele entrou e a olhou, e lhe
disse que precisava lhe explicar o porquê da ausência.
Ela nada falou. Saiu de onde estava, foi até a escrivaninha
da sala ao lado e pegou um bilhete. Um bilhete de despedida. Um bilhete dele
para ela. “Amor, precisei partir. Precisava viver outras coisas diferentes da
vida que levamos. Desculpe se não a levo comigo. Viva também outras coisas
diferentes da vida que leva. Te abraço com carinho. Seu.”
Ele leu o bilhete e a olhou com olhos questionadores. “Mas...
eu não escrevi isto. Não deixei nada escrito.” “Eu sei. Mas eu precisava
justificar sua ausência. Precisava seguir. Ela já foi preenchida, não precisa
mais me explicar por quê.” Ele a olhava ainda sem entender. “Eu vivi, como você
viveu. Não há mais ausência. Porque não sinto mais falta de mim.”
E pediu que ele se fosse. Não o esperava mais. Aprendera, na
dor da ausência, a saber que esta sempre existiria enquanto sentisse falta de
si mesma. Não sentia mais falta de si mesma. Era feliz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário