Um dia, ela disse ao vento, o único que parecia ainda escutá-la, que estava cansada de sonhar. Sonhar e ter de desistir dos sonhos:
— Afinal, os sonhos são como nuvens. Uma hora as olhamos, e elas estão lá, mas basta nos desviarmos que elas se esfumaçam e viram outra coisa.
— Sim, os sonhos são como nuvens. Já reparou como um céu sem nuvens é límpido e claro? Quase se pode tocá-lo de tão presente. No entanto, já observou que um céu com belas nuvens brancas, em suas diversas formas, também é lindo? As nuvens trazem graça ao céu, modificam sua forma, sua luz, sua cor. As nuvens fazem parte do céu, apesar de nem sempre estarem presentes. E assim também são os sonhos. Por mais que se queira não mais sonhar, por mais que se queira manter o céu azul sem mácula alguma, em algum momento uma nuvem vai aparecer. E é nesse momento que a vida se modificará. Uma nuvem é um acontecimento, uma mudança de vida, um novo amor, ah, o amor. É o que faz a vida ficar diferente, é o que força você a se modificar. A nuvem é necessária, assim como o sonho. Na medida certa, ela emoldura o céu, assim como o sonho emoldura a vida. Só é preciso tomar cuidado, porque nuvens em excesso são sinal de tempestade. Elas impedem a visão do céu, oprimem, escurecem. Como os sonhos em excesso, que fazem com que nos fechemos em nós mesmos. É preciso equilíbrio.
— Mas as tempestades trazidas pelas nuvens são boas, elas limpam o céu. Eu adoro tempestades.
— Sim, você entendeu, moça. Quando seu céu se encher de tempestades, espere que elas passarão, e aí volte a sonhar e a realizar seus sonhos, passo a passo. E de vez em quando vire seu rosto para o céu para admirar seu azul infinito sem nuvens. Mas não as espante. Elas são a surpresa da vida.
Este blog já nasce de um paradoxo: como o silêncio pode nomear um local por excelência destinado à escrita? É que a pergunta a ser feita deveria ser: não existiria silêncio mesmo nas palavras ditas? Sejam bem-vindos...
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quarta-feira, 6 de novembro de 2013
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
Ausência
Acordou naquela manhã como fazia todo dia, depois de ele já
ter se levantado e saído para o trabalho. Então, não estranhou sua ausência.
Levantou-se, lavou-se, vestiu-se e tomou um café devagar, um café preto amargo,
como gostava de fazer, para tirá-la da letargia do sono da noite. E saiu para
mais um dia produtivo que só terminaria com o sol já ido para seu descanso.
Voltou para casa com o dia já escurecido e a encontrou
vazia, como sempre. Ele saía antes e voltava depois, por isso não estranhou sua
ausência. Tirou a roupa, tomou um banho e preparou algo para comer. Planejava
terminar o livro que havia começado na semana passada. Enquanto isso,
aguardaria sua chegada, quando então se sentariam à mesa e ele lhe contaria
todos os problemas do dia – e nunca eram poucos. Mas esse momento não chegou.
A hora foi passando, a hora de ele chegar também passou
junto. Pegou o celular, ele tocou a três metros de distância. Ele o havia
esquecido em casa. Então, como não havia saída, esperou. Esperou no sofá, lendo
seu livro, depois na cama, com a luz do abajur acesa a iluminar seu rosto
preocupado e apreensivo. Até que adormeceu.
Acordou, então, na manhã seguinte como fazia todo dia, com a
diferença de que sabia que ele não havia se levantado e saído. Não havia sinal
nenhum de sua presença, de sua chegada com ela adormecida. Então, como era de
seu temperamento, fez o que sempre fazia para tomar uma atitude: lavou-se,
vestiu-se e tomou um café, desta vez não tão devagar, um café preto amargo,
como gostava de fazer, para tirá-la da letargia do sono da noite. Ligou para os
amigos em comum, para os amigos dele, para os parentes, para o trabalho. Teria
perguntado ao cachorro, caso tivessem um. E saiu para um dia de buscas que só
terminaria com o sol já ido para seu descanso: delegacias, hospitais, qualquer
lugar que lhe viesse à mente. Sem sucesso, voltou para casa.
E foi assim nos próximos dias. A polícia fazia buscas, os
amigos faziam buscas, ela também buscava, enquanto esperava. E pensava. E
imaginava.
Angustiada, tentava adivinhá-lo perdido sem memória por aí,
caído numa sarjeta ferido ou morto depois de um assalto, enfiado com uma amante
num motel de quinta, qualquer fato, qualquer acontecimento, menos ou mais
trágico.
E assim os dias foram passando. Os dias, as semanas, os
meses... Ela olhava em casa. Nenhum sinal de sua ausência. Ao contrário, sua
presença manifesta: as roupas no armário, o aparelho de barbear na pia do
banheiro, os chinelos embaixo da cama, o celular esquecido (será?) na mesa de
canto da sala, o livro lido pela metade, um fio de cabelo, um perfume que aos
poucos se esvanecia.
Em alguns momentos ela chorava, em outros apenas sentia. Mas
o choro, assim como o sentimento, ia diminuindo. Todos diziam que ele estava
morto. Algo lhe dizia que apenas fora embora.
E assim passou-se o tempo. Ela, aos poucos, foi
melhorando da tristeza. E mudou sua rotina. Como não havia mais como sentir a ausência
em uma parte do dia, como não tinha mais a quem esperar à noite, ela se
levantava, se lavava, se vestia, tomava um café não mais tão amargo, comia algo
e saía para o dia. Nem sempre voltava para casa direto do trabalho. Às vezes
encontrava amigos, às vezes ia ao cinema sozinha, às vezes passava em uma
livraria ou tomava um café na cafeteria charmosa a que quase nunca ia.
Ela vivia.
E foi assim que, um belo dia, sem ela esperar, ou pensar, ou
lembrar, ouviu a chave girar na porta. Ele entrou. Entrou como se nunca tivesse
saído. Não sabia se usava as mesmas roupas, pois não o tinha visto sair da
última vez, mas não via nele nada de diferente. Ele entrou e a olhou, e lhe
disse que precisava lhe explicar o porquê da ausência.
Ela nada falou. Saiu de onde estava, foi até a escrivaninha
da sala ao lado e pegou um bilhete. Um bilhete de despedida. Um bilhete dele
para ela. “Amor, precisei partir. Precisava viver outras coisas diferentes da
vida que levamos. Desculpe se não a levo comigo. Viva também outras coisas
diferentes da vida que leva. Te abraço com carinho. Seu.”
Ele leu o bilhete e a olhou com olhos questionadores. “Mas...
eu não escrevi isto. Não deixei nada escrito.” “Eu sei. Mas eu precisava
justificar sua ausência. Precisava seguir. Ela já foi preenchida, não precisa
mais me explicar por quê.” Ele a olhava ainda sem entender. “Eu vivi, como você
viveu. Não há mais ausência. Porque não sinto mais falta de mim.”
E pediu que ele se fosse. Não o esperava mais. Aprendera, na
dor da ausência, a saber que esta sempre existiria enquanto sentisse falta de
si mesma. Não sentia mais falta de si mesma. Era feliz.
domingo, 3 de novembro de 2013
"Caminhante, não há caminho,/ se faz caminho ao caminhar"
Quando a vida toma um bom rumo e as coisas começam a entrar nos eixos, mas você insiste em se agarrar ao que lhe puxa para baixo, a culpa é de quem? Da vida, que insiste em colocar dificuldades em seu caminho, ou sua, que insiste em ver as dificuldades sem olhar para o que está acontecendo de bom? Uma coisa é certa, apesar de clichê: abrir a janela e olhar para fora quer dizer olhar para fora de si mesmo e ver o mundo de possibilidades que estão ali, à disposição. Isso não significa que as coisas virão facilmente. Você terá que dar um passo em direção a elas: abrir a porta e sair para o mundo ou, se for mais afoito, pular a janela e ir em busca de algo novo. Porque o limite do nosso desejo se estabelece no limite do desejo do outro, sendo esse outro uma pessoa ou um fato. Se os dois limites se intercambiarem, como a famosa imagem das duas alianças que se unem guardando dois inteiros, ótimo, vá em frente. Do contrário, recue alguns passos, olhe para um lado, olhe para o outro, e busque outra saída. Sempre há uma saída. O que acontece é que muitas vezes não a enxergamos, carregados que estamos de nossas tristezas, mágoas e dificuldades.
Siga em frente. Porque, como diz o poeta, "caminhante, não há caminho,/ se faz caminho ao caminhar"..
Siga em frente. Porque, como diz o poeta, "caminhante, não há caminho,/ se faz caminho ao caminhar"..
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