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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Desencontros?

— Por que despertar um sentimento tão incrível de completude, troca e cumplicidade se no fim é sempre o habitual? Aquela constatação de que tudo era efêmero? — perguntava a moça ao velho senhor, que escutava atento seus lamentos.
— Ora, não há resposta mais simples, menina. Porque, mesmo que não tenha havido uma estrada mais longa, o objetivo não era esse.
— E qual poderia ser, então? Provocar sofrimento?
— Não. Provocar a incrível sensação de que é possível amar de novo. Permita-se.
Ela então teve a sensação de uma quase epifania. Será?

domingo, 5 de outubro de 2014

O caminho

Ela havia percorrido grandes e pequenas estradas e em todas elas encontrara pessoas. Algumas mais outras menos importantes. Todas haviam deixado sua marca. Em geral, profunda e dolorida. Ela não sabia o que era importante no amor. No início, achava que uma grande admiração seria perfeito. Alguém que a amasse tanto, que a admirasse tanto, que a fizesse ficar para sempre com ele. Contudo, isso se mostrou uma gaiola de ouro. E ela se despediu. Não aguentava uma prisão, por mais bela que fosse. Mais adiante, pensou que inteligência e belas palavras poderiam ser o prenúncio de uma relação prazerosa. Sim, isso era importante. Mas de que valiam belas palavras se não havia belas atitudes para acompanhá-las? Ela nunca correra o risco de se encantar por belos carros, ou casas, belas figuras, mas sabia de pessoas para quem isso era importante. Não entendia por quê, mas agradecia por ser esse um fator ruim a menos em sua caminhada. Não era superficial. Conseguia entender que um encontro a dois era muito mais do que isso. E era agradecida por conseguir ser madura a esse ponto. Mas ainda não descobrira qual era o ponto certo. Para ela. Assim, continuava. Entre uma decepção e outra, rasgando e costurando o coração, chorando nas madrugadas algumas várias solidões acompanhadas, ela descobria que estar simplesmente com alguém não bastava. Era preciso estar pleno com alguém. Mas como atingir a plenitude quando para o outro isso não queria dizer nada? Ela percebia o medo de se envolver em seus parceiros e pensava que talvez esse medo deles fosse um reflexo do próprio medo que sentia. De ser engolida, de se perder, de ser perdida. De amar tanto alguém que fosse preciso se despir de si mesma para estar com esse alguém. Não era infundado esse medo. Isso já acontecera antes. O que, no entanto, acontecera é que ela, com o tempo. foi se dando conta de que isso não era amor. Apesar de todos verem assim e usarem a palavra amor para designar esse estado, ele era mais pathos que amor. Porque para amar não é necessário se perder. É preciso, sim, ceder, mas nunca se perder. E ela continuava em sua busca.
Com o tempo, para ela se tornou inadmissível abrir mão de si mesma por causa de outro alguém. Uma situação difícil. Porque as pessoas, acostumadas que estão a ter do outro tudo o que ele pode dar, invadem o parceiro, se mesclam a ele de tal forma que acabam com sua individualidade, a própria e a do outro. São as cenas de ciúme, a falta de incentivo nos projetos, a falta de escuta. E ela percebeu, aos poucos, que queria encontrar alguém que soubesse ouvir. Não ouvi-la, mas ouvir a si mesmo. Porque, quando alguém ouve seus próprios desejos, sabe o quanto eles são preciosos na própria vida e não tenta anular os desejos do outro.
Só que isso era quase impossível de achar. Por isso, ela seguiu sozinha. Às vezes acompanhada, mas sempre sozinha. Sabia que aquelas relações eram passageiras, que a paixão tinha data para terminar, que tudo aquilo não era nem a terça parte do que uma relação podia lhe dar. Ela sabia que a célebre frase "é impossível ser feliz sozinho" era uma mentira deslavada. Sabia que, para estar com o outro, era imprescindível mergulhar na própria solidão. Ela dizia isso a quem entrava em sua vida, mas sempre era mal interpretada. Acostumou-se a ser desacreditada.
O que ela queria era estar bem. Estar bem consigo. Não admitia que alguém lhe pedisse para ser menos do que podia ser, para dar menos do que podia dar. E exigia o mesmo em troca. Era pesado. Para ela. Para o outro. Mas como ser de outra forma?
Contudo, um dia ela encontrou alguém. Depois de muito esperar, de muito chorar, de não mais acreditar, descobriu que a pessoa que a completava era aquela para quem ela não precisava fingir ser quem não era. Era alguém que via seus defeitos, não gostava deles, mas entendia que faziam parte de um todo. E ela sentia o mesmo. Não foi uma grande paixão. Foi algo tranquilo, estranho, como se já tivesse acontecido antes. Ela não alardeou. Não divulgou. Simplesmente viveu. Alguns pensam que ela continua sozinha; outros, que está mais ou menos feliz, afinal não propaga a própria felicidade. Mas ela sabe o que sente. Sente um calor no peito e na alma. E ela vai vivendo.
Eles vão vivendo. Sozinhos em suas singularidades. Juntos em seu amor cúmplice.

domingo, 11 de maio de 2014

Um Feliz Dia das Mães


Eu tenho acompanhado, sempre que posso, o programa Santa Ajuda, do GNT, já que adoro dicas de decoração e organização. Então, esta semana tive uma boa surpresa: em plena semana do Dia das Mães, o programa traz a organização de um quarto de bebê para um casal que espera o primeiro filho. Nada demais se esse casal não fosse composto por duas mães. Foi muito interessante observar a naturalidade do discurso de uma nova configuração familiar, coisa que até dez anos — sim, somente dez anos — seria impossível. Mas por que falo disso hoje? Porque, em meio a mil postagens fofas no Facebook de homenagem às mães, me pergunto se as pessoas realmente conseguem perceber o que é a maternidade. Sim, as mães são dos seres mais importantes deste mundo, porque sem elas não estaríamos aqui. Elas geram, cuidam, alimentam, protegem. Em sua maioria. Mas nem sempre. Porque há mães que são mães por acidente, por obrigação, por falta de escolha, por imposição social. E há aquelas que, apesar de amarem seus filhos, depois de tê-los e perceberem a tarefa hercúlea que empreenderam, se pudessem escolher novamente escolheriam não ser mães. Conheço algumas. E isso não é nenhum demérito. Porque mães não são supermulheres. São seres humanos, e como tal passíveis de erros, arrependimentos, mágoas, medos. Acima de tudo são mulheres que desde que o mundo é mundo sofrem a pesada imposição social de que é natural ser mãe, desejar ser mãe, sendo, na verdade, quase uma obrigação.
Há algum tempo, uma médica me disse que, com meu relógio biológico apitando, eu deveria pensar em ter filhos, pois poderia me arrepender de não tê-los depois. Ao que eu retruquei que quem garantiria que não me arrependeria de tê-los. Não satisfeita, me disse que eu poderia me arrepender quando, com 60 anos, me encontrasse sozinha. Fiquei escandalizada como, em plena década de quase 20 do século XXI, havia mulheres que colocavam seres no mundo para garantir sua não solidão. Que egoísmo é esse? Dei graças a Deus, depois de me recuperar da pressão absurda, por ser lúcida e não pensar assim.
Porque filhos são gente. Mães são gente. E pais são gente. Família pode ser o melhor lugar do mundo, como também pode ser o inferno na Terra. Somos seres humanos, e como tal podemos ser maravilhosos e cometer erros sem gravidade emocional absurda, mas também podemos estragar o psicológico de uma criança que está tentando se entender neste mundo de cão. Por falta de amor, muitas vezes não pela criança, mas por si mesmas, algumas mães não são boas mães, definitivamente. E na maior parte dos casos não têm culpa disso. Simplesmente repetem um padrão passado por gerações.
Quando comecei o post falando do programa sobre a maternidade do casal homossexual, quis centrá-lo no amor. Na maternidade como escolha, não como vocação. Como desejo, não como obrigação social ou biológica. O discurso sobre a constituição familiar básica com pai, mãe e filhos está sendo alterado aos poucos, dando lugar a uma nova configuração. Daqui a pouco tempo não será estranho vermos as várias configurações de família, o que mostra que o discurso constrói, sim, o social. Como foi mostrado exaustivamente por Michel Foucault com sua "arqueologia do saber": o discurso constrói o social, muda comportamentos, estabelece várias ações, muda conceitos. Isso tudo sem nos darmos conta disso. É assim que o amor homossexual está começando a ser visto com os olhos com que devem ser vistos: com olhos de amor. E espero que aos poucos isso aconteça também com o olhar para as mães. Que as retiremos do pedestal em que sempre foram colocadas em toda a existência da humanidade e que as tragamos para o lugar que devem ocupar: como mais uma escolha feminina, como qualquer outra: a de trabalhar ou não, pintar o cabelo ou não, casar-se ou não, ser mãe ou não. Porque ser mãe não é intrínseco ao ser. É uma responsabilidade que deve ser assumida com consciência. Não porque se é mulher, porque o marido/companheiro quer, porque a sociedade exige, porque se tem medo de ficar sozinha. Você trará um filho ao mundo e deverá dar conta a esse mundo do que fez dele. Porque seu filho crescerá e fará as próprias escolhas, mas só estará aqui para fazê-las porque você assim o permitiu.
Então, neste Dia das Mães desejo a todas as mulheres que empreenderam esse caminho que o façam da melhor maneira possível, sem esquecer que são humanas. Aos filhos das mães, que as vejam como seres passíveis de erros e que saibam se afastar de suas mães caso elas sejam nocivas a si mesmos, e amá-las e agradecer-lhes caso elas sejam amorosas e companheiras. E desejo a todas as mulheres que estão na dúvida se trilham ou não esse caminho que o façam com consciência. Sobretudo isto: pensem, em primeiro lugar, em si mesmas. Porque ser mãe é abrir mão de si mesma em muitos pontos, nem que seja emprestando seu corpo para gerar outro ser. Essa pode ser a maior aventura da sua vida, mas também pode ser a pior, vindo com culpa e arrependimento. Porque um filho, uma vez estando no mundo, vai lhe cobrar o papel de mãe, e você precisa estar consciente desse papel. Então, um conselho: se existe uma dúvida grande sobre ele, não o aceite. Porque você, mulher, pode ser ou não mãe em nosso tempo atual, mas será sempre uma mulher. E mulher tem a maternidade dentro de si, que pode ser canalizada para um sobrinho, um trabalho com crianças, uma ajuda a terceiros. Não é egoísmo. Egoísmo é colocar filho no mundo para aplacar sua solidão. Lembre-se: os filhos não são seus, são do mundo, e para isso devem ser criados.
Um Feliz Dia das Mães a todas que o são. E às que escolheram não serem, um Feliz Dia das Mães às suas mães. E parabéns pela sua coragem de dizer não.

domingo, 13 de abril de 2014

Quando o coração desincha

Depois de mais um dia de tristeza infinda, começava a achar que as lágrimas que derramava estavam chegando ao fim. Não conseguia entender como tinha forças para chorar tanto o choro de seu coração partido, como ainda conseguia sentir o gosto já tão conhecido das lágrimas salgadas. Lá fora, caía uma chuva fina que vinha acompanhada de um frio cortante, que ela nem conseguia aproveitar como gostava de fazer — com um bom vinho, ou um capuccino —, pois tudo isso lembrava aquele que partira há algum tempo e que a deixara tão machucada.
E assim iam-se os dias. Ainda chorava, ainda soluçava, mas sentia que aos poucos a ferida ia se fechando. Deixaria uma cicatriz, como cada marca feita no corpo, seja ela feita ou na pele, ou dentro dele, mas com o tempo esqueceria a dor. Assim pensava. Assim desejava.
Pensando e sentindo assim, foi se dando conta de que o normal era mesmo este: que o coração se desvanecesse em lágrimas. É que, quando se amava, ele inchava, de amor, de alegria, de felicidade, de desejo. Contudo, se esse amor não perdurava por qualquer motivo, era preciso que diminuísse. Então, as lágrimas saíam pelos olhos e levavam junto todos os sentimentos que o coração havia guardado consigo durante o tempo em que estivera amando, mesmo que esses sentimentos não tivessem sido correspondidos. Os dela haviam sido, pelo menos pensava que sim, mas seu fim tão brusco trouxera uma dor inominável. Ela continuava seu dia a dia, no entanto.
Dia após dia, assim, esperando o coração desinchar, ela ia se recuperando. As lágrimas iam ficando menos frequentes, a dor ia passando, e seu coração, que antes ocupava um lugar enorme no peito, agora voltava ao tamanho normal.
Até o dia em que ele recebesse de novo a carga de sentimentos em virtude de outro amor. Correspondido ou não.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Desencontro


Entrou na livraria sem nenhuma intenção programada. Pensava apenas em olhar as novidades. Passou por uma prateleira, passou por outra, nada chamou sua atenção, até que, entre um livro e outro, no espaço exíguo formado sem querer, viu uma moça sentada numa das mesas. Seus cabelos caíam em ambos os lados do rosto, escondendo-o um pouco, mas dava para ver que era bela. Pensou por dois segundos no que faria. Atrapalhar sua leitura e puxar conversa? Mas falar de quê? Um sentimento desconhecido de timidez o invadia, desconhecido mas forte. Desconcertado, não com a visão que tinha mas com a própria reação, decidiu que aquele não era o momento, deu meia-volta e saiu à rua.

De seu lado, a moça, mergulhada na leitura, havia visto aquele moço que acabara de entrar sem muita intenção. Que cara charmoso, pensou ela. Mas ele tinha ido para o meio das prateleiras e ela o havia perdido do olhar. Por isso, voltou ao texto, de quando em vez sentindo a cabeça por conta própria dar uma volta pelo espaço. Será que ele me viu? E se ele se sentasse aqui, o que eu faria? Pensava, enquanto lia; lia, e pensava. Não o viu sair.

E o início da noite foi assim: ele, com as mãos nos bolsos sem rumo pelas calçadas, sentindo o frescor da brisa e tentando imaginar o cheiro daqueles cabelos. Ela, tentando fixar a atenção na leitura, mas querendo que tivesse tido a oportunidade de mostrar quem era. Por timidez de um e passividade de outra, a noite acabou assim, cada um no seu canto. Sem saberem que aquele encontro que não acontecera não tinha sido por acaso.

terça-feira, 11 de março de 2014

Saudade


E de repente a saudade invadiu meu coração. Sem saber como nem de onde veio, em um longo suspiro veio a sensação de aperto no peito, misturada com certo torpor, como se estivesse envolta em uma nuvem. Saudade de quê? Do amor que passou? Dos momentos felizes? De algum amigo distante? Não consegui localizar. Então, simplesmente me deixei envolver pelo sentimento. Entrei nele devagar, ao mesmo tempo que permitia que ele se instalasse em mim, numa troca de corpos de densidades diferentes. E o aperto do peito foi se abrandando, deixando no lugar um doce sentimento de felicidade. Porque a saudade nem sempre é do que passou, ou foi embora, ou não volta mais. Pode ser do que ainda está por vir. E aí podemos sentir a intensa alegria de algo que não sabemos conscientemente que vai acontecer, mas que apenas intuímos. A saudade, nesse caso, tem muito de premonição. Ou pode também ser apenas o sentimento vindo de um sonho, de um desejo que cala fundo na alma e que ainda não conseguimos identificar. Do que sentia saudade, então? Num ponto de angústia, percebia que minha saudade não tinha objeto. Ela simplesmente existia por si só, como um ser autônomo. E por ter autonomia, tinha vindo me visitar. Enquanto via a noite cair pela janela, o início da noite que também me enebria, deixava esse sentimento crescer. E fui ficando leve. E feliz. E acariciada. Como se fosse uma meditação, e porque não encontrava o objeto da saudade, eu não pensava, apenas sentia.

E assim, em algum momento, percebi que o que eu sentia era saudade de sentir saudade.

sábado, 8 de março de 2014

Sobre um 8 de março futuro

Este foi meu texto do ano passado sobre o dia 8 de março, publicado no Facebook. Este continua a ser meu desejo para este ano. Com um acréscimo: que saibamos perceber o discurso da mulher-objeto que está renascendo travestido de novo feminismo. Isso é muito sério.

Como em anos anteriores, vou continuar desejando que esse Dia Internacional das Mulheres não precise mais existir, não porque deixamos de ser importantes ou merecedoras, mas porque passamos de minorias muitas vezes agredidas, sucumbidas, prisioneiras a seres humanos com seus direitos respeitados. Enquanto isso, a cada 8 de março devemos lembrar de todas aquelas que passam por maus-tratos, físicos mas a maior parte deles psicológicos, daquelas que têm suas escolhas profissionais ou sexuais cerceadas, daquelas que são tomadas como seres biologicamente determinados e por isso não podem escolher não ter filhos e privilegiar a carreira, daquelas que enfrentam isso mas ouvem constantemente a pergunta "quando você vai se casar?" ou "não se casou por quê?", como se suas vidas só passassem a existir em função de um homem. Porque, em muitos, muitos aspectos, mais do que quero admitir aqui, ainda estamos vivendo no século XIX e em alguns casos na Idade Média, e estou falando somente de Brasil. Lá fora a coisa costuma ser até pior. Lembremos também daquelas que atendem ao chamado da maternidade mas que, como se tivessem de pagar por isso, se desdobram em mil para cuidar dos filhos gerados e do maior deles, daquele que deveria dividir com ela a vida mas a transforma na segunda mãe: seus maridos. E como esquecer daquelas que fazem da bandeira da [falsa] proteção masculina um estilo de vida, sem ao menos perceber que perpetuam o mesmo discurso machista que tentamos combater. A estas, desejo uma luz em sua mentalidade. A todas as outras, que conseguem perceber os discursos subliminares, mesmo que somente alguns, meu estímulo de que as dificuldades continuem sendo vencidas, de que elas queiram mais respeito do que qualquer outra coisa e que saibam ensinar a seus homens - namorados, maridos, amantes, irmãos, pais, amigos, colegas - que a igualdade entre os sexos não significa apagar as diferenças, mas significa sobretudo deixar a cada um a escolha do próprio caminho. Feliz Dia Internacional das Mulheres a todas vocês que partilham da dificuldade e da beleza de ser mulher. A minhas amigas, primas, tias queridas, um grande beijo.

segunda-feira, 3 de março de 2014

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Desintoxicando

Queria poder dizer que nessa última semana longe do Facebook eu li mais livros, vi mais filmes, encontrei mais os amigos. Nada disso aconteceu. Eu me concentrei, sim, mais no meu trabalho, mas isso não é relevante, pois querendo ou não tenho de fazê-lo. Meu tempo longe da principal rede de interação "social" teve outro ganho.
Quando decidi desativar por um tempo a página, num sábado vindo de uma semana estressante e com acontecimentos que me deixaram bastante chateada, dentro e fora da rede, eu queria experimentar esse lugar fora. Fechar a porta da sala redonda e ficar em frente a ela, sem abri-la. Achei que nos últimos dias o tempo na rede, em discussões, curtidas e comentários muitas vezes infrutíferos, estava consumindo um tempo precioso: aquele dedicado a mim.
Confesso que ativar aquele botãozinho e receber a mensagem chantagista de que Fulano e Sicrano "vão sentir sua falta" se você sair foram um desafio excitante. Para quem não sabe, a página faz isso com seu usuário: avisa-o de que fará falta a seus amigos, e isso soa quase que como uma ameaça. Como adoro desafios, fiz o que eles não queriam que eu fizesse, pensando: "Será que vão mesmo?"
Sim, algumas pessoas sentiram minha falta. Entre mensagens diretas por outros meios (Twitter, que continuei usando, WhatsApp, e-mails, telefonemas...) e indiretas dadas por outras pessoas, espantaram-se com minha ausência, coisa que meu ego, devo confessar, agradeceu. Me senti querida, e por isso devo agradecer a esses amigos. ♥ Vocês são uns fofos! Realmente, saber que nossa ausência é mesmo notada faz bem, acho que todo mundo concorda.
Mas não foi isso que eu queria testar ao desativar meu perfil. Queria encontrar novamente minha solidão. Não aquela que sentimos quando estamos sem um companheiro, amoroso ou não, mas a que temos conosco desde que nascemos até ao irmos embora, sabe-se lá Deus para onde, deste mundo insano. Queria sentir esse medo e essa ausência de algo que sentimos todo o tempo e que muitas vezes mascaramos com amores tóxicos, compras excessivas, drogas, futilidades mil, barulhos, barulhos e mais barulhos. Aquela que nos toca profundamente e que faz a maioria de nós procurar desesperadamente a outra metade da laranja e jogar sobre ela toda a nossa carência. Aquela que nos faz ter medo de ficarmos com a única pessoa que nos faz companhia todo o tempo: nós mesmos. Estava sentindo falta dela. Porque existe outro elemento, nesta era em que vivemos, que a mascara: as redes sociais. A incrível sensação de estarmos cercados de pessoas, mesmo quando estamos sozinhos em um computador. Isto não é um problema: estar numa rede social na web e interagir. O problema é a compulsão por interagir. Por postar tudo. Por saber de tudo. Por se fazer presente por meio de fotos, comentários, postagens, curtidas, todo o tempo, de manhã à noite, mesmo quando estamos num bar com amigos. Algumas pessoas, segundo pesquisa recente que vi comentada em um programa de TV, não largam as redes pelo celular nem mesmo quando estão fazendo sexo! Sim! Não consegui entender muito bem como pode uma coisa dessas acontecer, mas acho que é revelador do quanto estamos, talvez, doentes. A porcentagem de pessoas que não estão presentes para o outro nem durante o sexo é grande, segundo a pesquisa. Confissão: depois do espanto veio o medo.
Não sou dessas. O celular é, para mim, um instrumento de comunicação e atualmente de entrada no mundo virtual, sim, mas me dou o direito de mantê-lo sem som quando durmo, não o deixo ligado em eventos e ambientes em que deve estar desligado, como cinemas, teatros e reuniões, não o levo para o banheiro (juro: algumas pessoas já me mandaram mensagens dizendo que estavam ali, melhor não saber fazendo o quê), e, o mais importante, evito ao máximo, o quanto posso, ficar na rede quando estou em um encontro com amigos, principalmente se estiver a dois, ou a duas. Porque não há nada mais desagradável que não dar nem receber atenção do outro que está ali com você. Sim, sou chata. Sei disso. Sou antiga. Ponto.
Mas voltando à solidão: precisava senti-la, desconectar, desintoxicar. Sentir o vazio que se sente quando não se tem com quem interagir. Sentir minha respiração. Deixar a cabeça voar. Pensar no que quero para mim. E descobri que o que quero e o que devo fazer é isto: voltar, sim, para as redes, que infelizmente são imprescindíveis para mim, em função do trabalho e das pessoas com quem convivo, mas me dar o direito de sair delas quando quiser. Ser menos presente, talvez? Não sei. Principalmente isto, com certeza: a vida aqui fora precisa de atenção. E gostei de perceber isso. Porque os principais momentos, os mais importantes e lindos da minha vida e da vida de qualquer pessoa não são passados em uma rede social. E não devem ser compartilhados.
Acho que é isso.