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domingo, 5 de outubro de 2014

O caminho

Ela havia percorrido grandes e pequenas estradas e em todas elas encontrara pessoas. Algumas mais outras menos importantes. Todas haviam deixado sua marca. Em geral, profunda e dolorida. Ela não sabia o que era importante no amor. No início, achava que uma grande admiração seria perfeito. Alguém que a amasse tanto, que a admirasse tanto, que a fizesse ficar para sempre com ele. Contudo, isso se mostrou uma gaiola de ouro. E ela se despediu. Não aguentava uma prisão, por mais bela que fosse. Mais adiante, pensou que inteligência e belas palavras poderiam ser o prenúncio de uma relação prazerosa. Sim, isso era importante. Mas de que valiam belas palavras se não havia belas atitudes para acompanhá-las? Ela nunca correra o risco de se encantar por belos carros, ou casas, belas figuras, mas sabia de pessoas para quem isso era importante. Não entendia por quê, mas agradecia por ser esse um fator ruim a menos em sua caminhada. Não era superficial. Conseguia entender que um encontro a dois era muito mais do que isso. E era agradecida por conseguir ser madura a esse ponto. Mas ainda não descobrira qual era o ponto certo. Para ela. Assim, continuava. Entre uma decepção e outra, rasgando e costurando o coração, chorando nas madrugadas algumas várias solidões acompanhadas, ela descobria que estar simplesmente com alguém não bastava. Era preciso estar pleno com alguém. Mas como atingir a plenitude quando para o outro isso não queria dizer nada? Ela percebia o medo de se envolver em seus parceiros e pensava que talvez esse medo deles fosse um reflexo do próprio medo que sentia. De ser engolida, de se perder, de ser perdida. De amar tanto alguém que fosse preciso se despir de si mesma para estar com esse alguém. Não era infundado esse medo. Isso já acontecera antes. O que, no entanto, acontecera é que ela, com o tempo. foi se dando conta de que isso não era amor. Apesar de todos verem assim e usarem a palavra amor para designar esse estado, ele era mais pathos que amor. Porque para amar não é necessário se perder. É preciso, sim, ceder, mas nunca se perder. E ela continuava em sua busca.
Com o tempo, para ela se tornou inadmissível abrir mão de si mesma por causa de outro alguém. Uma situação difícil. Porque as pessoas, acostumadas que estão a ter do outro tudo o que ele pode dar, invadem o parceiro, se mesclam a ele de tal forma que acabam com sua individualidade, a própria e a do outro. São as cenas de ciúme, a falta de incentivo nos projetos, a falta de escuta. E ela percebeu, aos poucos, que queria encontrar alguém que soubesse ouvir. Não ouvi-la, mas ouvir a si mesmo. Porque, quando alguém ouve seus próprios desejos, sabe o quanto eles são preciosos na própria vida e não tenta anular os desejos do outro.
Só que isso era quase impossível de achar. Por isso, ela seguiu sozinha. Às vezes acompanhada, mas sempre sozinha. Sabia que aquelas relações eram passageiras, que a paixão tinha data para terminar, que tudo aquilo não era nem a terça parte do que uma relação podia lhe dar. Ela sabia que a célebre frase "é impossível ser feliz sozinho" era uma mentira deslavada. Sabia que, para estar com o outro, era imprescindível mergulhar na própria solidão. Ela dizia isso a quem entrava em sua vida, mas sempre era mal interpretada. Acostumou-se a ser desacreditada.
O que ela queria era estar bem. Estar bem consigo. Não admitia que alguém lhe pedisse para ser menos do que podia ser, para dar menos do que podia dar. E exigia o mesmo em troca. Era pesado. Para ela. Para o outro. Mas como ser de outra forma?
Contudo, um dia ela encontrou alguém. Depois de muito esperar, de muito chorar, de não mais acreditar, descobriu que a pessoa que a completava era aquela para quem ela não precisava fingir ser quem não era. Era alguém que via seus defeitos, não gostava deles, mas entendia que faziam parte de um todo. E ela sentia o mesmo. Não foi uma grande paixão. Foi algo tranquilo, estranho, como se já tivesse acontecido antes. Ela não alardeou. Não divulgou. Simplesmente viveu. Alguns pensam que ela continua sozinha; outros, que está mais ou menos feliz, afinal não propaga a própria felicidade. Mas ela sabe o que sente. Sente um calor no peito e na alma. E ela vai vivendo.
Eles vão vivendo. Sozinhos em suas singularidades. Juntos em seu amor cúmplice.

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