Total de visualizações de página

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Tempo, solidão, pandemia... vida que segue

Retomo o blog depois de muito tempo. Lá se vão quase sete anos de muita mudança, a maioria delas com resultados excelentes. Nenhuma sem algum tipo de dor. Porque renascer, refazer-se, esquecer, retomar seu eu, ser quem queria tornar-se não são coisas nada fáceis.

Passamos (e este verbo serve tanto para o passado quanto para o presente) por um período muito, muito difícil. Golpe político no país, ascensão da extrema direita corroborada pela população, com a maioria dos votos ou por abstenção, caos social e econômico, pandemia... Esta última algo já visto na história humana, mas só imaginado nos filmes sobre modos de vivenciar um apocalipse.

O que dizer desse tempo? Um tempo que corre e varre tudo, significa, faz mudar e amadurecer, mas que também mata, adoece, traz dor. Um tempo de colheita do que foi plantado, nem sempre com consciência dos resultados que viriam.

A pandemia trouxe um caos social ao mundo todo, mas também um caos interno. Mortes de entes queridos, incerteza quanto ao futuro, desavenças, medo, insegurança. Mas penso que a pior dificuldade foi lidar com algo inerente ao ser humano, cantado em prosa e verso, mas que, quando vivenciado, deixa de ser poético e estremece: a solidão. Não aquela de um casal que se separa, de alguém sem um parceiro há muito tempo, de famílias que quase não se veem, ou de amigos que moram longe. Falo aqui da solidão de ser nascido e encarnado e não se saber o motivo disso. A solidão de ser/estar humano e das benesses e dificuldades disso.

O caos no mundo recente exacerbou essa solidão inerente, que se vê, na maioria das vezes, escondida no dia a dia, nas relações distrativas, sejam elas familiares, de amigos ou de amores, nos afazeres mil. Muita gente, nesses tempos, foi obrigada a ressignificar a importância do trabalho, das tarefas, das trocas, das relações. Famílias se desentenderam, casais se separaram, os últimos muitas vezes com a justificativa de que o amor não sobreviveu à pandemia. Mas o que me pergunto é: havia mesmo amor? Ou o que se pensava como tal era apenas distração, tesão, tapa-buraco?

Ver-se, de repente, trancado em casa 24 horas por dia com alguém que não se conhece tão bem resulta no caos. E, não, não estou falando do parceiro ou parceira, mas de si mesmo. Dar-se conta de que divide o dia a dia, a cama, o sexo, o banheiro e a toalha de rosto com alguém muitas vezes mal escolhido é assustador. O que fazer, então? Separar-se e colocar a culpa na pandemia, afinal ela foi a causadora de tudo.

Mas não foi. A pandemia só colocou os espelhos. Mostrou o que estava escondido e cuidadosamente escamoteado pelo trabalho, pelos eventos, pelos compartilhamentos com mil curtidas e comentários nas redes sociais. As relações que pareciam tão bem nas fotos e declarações de amor, mas que, por falta de conhecimento de si próprio, naufraga ao primeiro sinal de dificuldade sem distrações. Claro, há pessoas que se juntaram nesses tempos. Essas terão de ver se sua relação sobreviverá à falta do caos pandêmico.

A dificuldade de lidar com a própria solidão é o motivo de tudo. Porque, como em geral se diz, nascemos e morremos sozinhos. O outro, os outros, todos entram na nossa vida para somar. Ou deveriam. Mas o que em geral se vê é um tapa-buraco generalizado, a ânsia de esconder o próprio buraco, a falta, aquela que massacra, mas que também é o mote do desejo (desejo no sentido de desejar, de criar, não somente o sexual). Se não formos seres desejantes, é impossível viver. E o desejo só pode aparecer pela falta. Quando, desesperadamente, tentamos tapar esse buraco da falta, o desejo acaba. E aqui também está incluído o sexual.

Assim, estar com o outro deveria ser uma soma, à qual aos poucos entram outros fatores, mudando o resultado final. Por isso o tempo é importante. E esse pode ser um minuto ou vários anos. O que é preciso é saber que não se deve abrir mão da sua solidão por ninguém ou por nada. Porque ela continua presente, mesmo que não pareça.

Fazer coisas a sós, ir ao cinema, ver um filme, ler um livro, passear por aí, fazer compras... tudo isso deve e precisa ser feito sozinho, de vez em quando, para que nós, como seres humanos, saibamos lidar conosco e não joguemos no outro toda a frustração de ser/estar humano. E todas essas coisas devem acontecer mesmo que tenhamos amigos, familiares, amores. Porque, ao fazermos isso, podemos lidar melhor com o caos externo, como é aquele gerado por uma pandemia — que ainda não terminou.

Então, se sua relação não sobreviveu à pandemia, ou ela já tinha acabado e vocês não tinham se dado conta disso, ou nem tinha começado como relação profunda, e, estando somente na superfície das coisas, foi engolida pelo caos. Não foi a pandemia que fez isso. Foi a morte do desejo, a necessidade de tapar um buraco com alguém por não saber ser/estar sozinho. Ela já nasceu programada para morrer, sua relação. Teria sobrevivido, sim, caso vocês soubessem lidar com a própria solidão. Porque, para estar a dois, ou a três, ou em grupo, é preciso saber ser só. E ser só não é triste. Ser só é fortaleza. O tempo e a solidão nos ensinam a dar nosso melhor ao outro, quando o encontramos. E dar nosso melhor significa não usar o outro como suporte emocional, porque nós nos bastamos, embora escolhamos nos dividir com alguém.

A vida é isso. Traz altos e baixos por acontecimentos externos e internos. Precisamos saber quem somos para não sermos engolidos por ambos.

Devo dizer, feliz ou infelizmente, que a pandemia foi boa para mim. Resolvi pendências, coloquei a cabeça em ordem, refiz planos, coloquei pessoas e coisas no lugar a que pertenciam. Embora o caos externo estivesse e ainda esteja aí, sei que minha calmaria veio dessa parte nossa tão presente e negligenciada, que é saber-se só, mesmo estando com alguém. E nada mais gratificante do que encontrar alguém que também guarda com cuidado esse lugar da solidão, dessa vez transformada em solitude. Porque essas pessoas, quando estão com você, fazem-no porque o querem, não porque precisam desesperadamente de uma distração. Porque elas são inteiras consigo mesmas, então podem também ser inteiras com o outro. Em tempos de sufocamento e felicidades de Facebook, essas pessoas são preciosas.