Um dia, ela teve um sonho estranho. Caminhava por um corredor estreito, escuro, até que via um faixo de luz bem tênue iluminando uma porta entreaberta. Bem devagar, ela empurrava a porta e via um velho sentado a uma mesa a escrever. O mais interessante é que não havia pena, ou caneta, ou qualquer coisa que se use para esse fim. As letras saíam diretamente dos movimentos dos dedos sobre a folha de papel em branco. Manchavam o papel e, quando o espaço na folha acabava, como que por mágica as frases iniciais iam se apagando, como um fio puxado de um rolo que se desenrola até o fim.
Ela ficou olhando aquilo, intrigada. Até que resolveu perguntar:
— O que o senhor tanto escreve?
Sem levantar os olhos da folha para ao menos vê-la, ele respondeu:
— Todos os pensamentos que querem se manifestar.
— Mas... se eles se apagam em seguida, de que adianta?
— Por que não adiantaria? Quando eles saem para o papel, ganham vida, mesmo que não fiquem registrados. E aí já não me pertencem mais.
Ela não conseguia entender.
— Moça, preste atenção: nada nesta vida é certo. A única coisa que temos como certa são nossos desejos. Se os colocamos para fora, eles podem se realizar, ou não. O importante é os tirarmos de dentro da gente. Ver o que escrevo ser apagado me dá a confirmação de que nada é concreto e que tudo pode ser realizado, ou não. Me dá a certeza da volatilidade do tempo, do espaço, da própria vida. Me diz que nada pode ser apreendido, por isso é preciso deixar ir. Pois o que me é importante está aqui, no meu coração. Eu o revelo e ele volta para mim. É assim que funciona.
E ele voltou para seu trabalho interminável, enquanto ela pensava em quantos pensamentos e desejos precisava libertar.
Voltou pelo túnel, que agora não era mais tão escuro, pois seus olhos já tinham se acostumado. Assim como nos acostumamos à vida.
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