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sábado, 21 de setembro de 2013

Todos os pensamentos que querem se manifestar

Um dia, ela teve um sonho estranho. Caminhava por um corredor estreito, escuro, até que via um faixo de luz bem tênue iluminando uma porta entreaberta. Bem devagar, ela empurrava a porta e via um velho sentado a uma mesa a escrever. O mais interessante é que não havia pena, ou caneta, ou qualquer coisa que se use para esse fim. As letras saíam diretamente dos movimentos dos dedos sobre a folha de papel em branco. Manchavam o papel e, quando o espaço na folha acabava, como que por mágica as frases iniciais iam se apagando, como um fio puxado de um rolo que se desenrola até o fim.
Ela ficou olhando aquilo, intrigada. Até que resolveu perguntar:
— O que o senhor tanto escreve?
Sem levantar os olhos da folha para ao menos vê-la, ele respondeu:
— Todos os pensamentos que querem se manifestar.
— Mas... se eles se apagam em seguida, de que adianta?
— Por que não adiantaria? Quando eles saem para o papel, ganham vida, mesmo que não fiquem registrados. E aí já não me pertencem mais.
Ela não conseguia entender.
— Moça, preste atenção: nada nesta vida é certo. A única coisa que temos como certa são nossos desejos. Se os colocamos para fora, eles podem se realizar, ou não. O importante é os tirarmos de dentro da gente. Ver o que escrevo ser apagado me dá a confirmação de que nada é concreto e que tudo pode ser realizado, ou não. Me dá a certeza da volatilidade do tempo, do espaço, da própria vida. Me diz que nada pode ser apreendido, por isso é preciso deixar ir. Pois o que me é importante está aqui, no meu coração. Eu o revelo e ele volta para mim. É assim que funciona.
E ele voltou para seu trabalho interminável, enquanto ela pensava em quantos pensamentos e desejos precisava libertar.
Voltou pelo túnel, que agora não era mais tão escuro, pois seus olhos já tinham se acostumado. Assim como nos acostumamos à vida.

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