Total de visualizações de página

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Descompasso

Um dia, quando ela menos esperava, ele apareceu. E lhe cobriu de poesia. Era uma poesia para cada dia, e uma para cada hora de cada dia. Também era uma para cada estado de espírito que ele lhe adivinhava. Nunca havia se sentido tão acarinhada. Mas ela queria mais, e então lhe pediu gestos, além da poesia.
Ele então lhe mandou flores. Todos os dias. Um tipo para cada dia, escolhido de acordo com a estação do ano. Ela amava o perfume das flores, amava suas cores, sua delicadeza. Nunca havia se sentido tão importante, afinal receber flores é uma das grandes manifestações de amor. Mas ela queria mais, e então lhe pediu presença, além das flores.
Ele então lhe mandou beijos. Nos dias seguintes, ela recebia beijos pelo ar, em recados escritos, cantados e falados. Amava esses beijos. Sentia o frisson que lhe subia pela espinha cada vez que imaginava a língua que vinha com eles, o gosto da boca, o calor dos lábios. Nunca havia se sentido tão desejada. Mas ela queria mais, e então lhe pediu que a beijasse, além de lhe mandar seus beijos pelo ar.
Ele não entendia. Não entendia como toda aquela atenção não era suficiente. Não entendia por que precisava haver mais. Ela tentava lhe explicar, por meio de gestos, pedidos, olhares, carinhos, que nada era tão importante quanto o encontro, não o que havia acontecido tão fortuitamente, mas o que deveria acontecer entre duas pessoas que se atraem e têm muito a dizer e a sentir.
Ele queria continuar lhe mandando poesias, e flores, e beijos pelo ar. Ela queria receber tudo isso de suas mãos. Ela queria suas mãos.
Ele queria sonhar com ela todas as noites, dormindo, acordado, ao amanhecer, nas primeiras horas da manhã. Ela queria transformar os sonhos em atos, queria acordar com ele, olhar seu rosto pela manhã, sentir a preguiça de dois corpos entrelaçados nas primeiras horas do dia.
Ele queria imaginar como seria quando estivessem juntos. Ela queria ir ao seu encontro.
Ele queria sonhar. Ela queria fazer.
E por causa do descompasso dos verbos, eles não se entendiam.
Ele se entristeceu. Não entendia por que ela queria mais. Ela se entristeceu. Não entendia por que ele queria menos.
Ele continuou a sonhar. A imaginar poesias, e flores, e beijos.
Ela o olhou, com lágimas nos olhos. Não podia viver somente de sonhos. Então partiu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário