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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Numa manhã de domingo

Acordara naquela manhã com uma sensação estranha. Teria sido apenas um sonho? Olhou à volta — tudo igual à noite anterior. O controle da TV jogado no canto do colchão, a cama desfeita, mas que lhe lembrava uma solidão que se estendia há algum tempo, a cortina meio entreaberta, deixando, agora que amanhecia, entrever a luminosidade do dia, enquanto na noite anterior revelava um facho da lua. Na cadeira perto da porta, a calça e a camisa que tirara antes de se deitar, um pouco bêbado do vinho que tomara. Mas nenhum sinal dela. Da moça com quem dormira. Sentiu seu cheiro, seu gosto, o toque da sua pele, alva e macia. Lembrava da sua língua na sua língua, do gosto do seu sexo, da maciez das suas coxas, do calor das suas pernas. Mas começava a achar que sonhara. Um sonho erótico como tantos outros que vinha tendo.
Levantou-se ainda inebriado, querendo voltar para aquele aconchego fumegante. Foi até o banheiro, lavou o rosto para tentar acordar de vez, até que da porta aberta enxergou a luminosidade do outro cômodo. Em cima da mesa, um papel chamou-lhe a atenção. Foi até ele. Apenas algumas palavras: "Estive aqui, estive com você, saí enquanto dormia. Foi um sonho que se tornou realidade. Não se esqueça de mim. L."
O desespero lhe tomou conta. Então não havia sido um sonho! Mas onde ela estava? Abriu a porta da sala, mas se deu conta de sua nudez, então voltou para ao menos vestir as calças. E então se mandou escada abaixo. Uma escada em caracol, que o deixava tonto enquanto a descia. Os degraus, poucos, que estava acostumado a descer e a subir todos os dias, pareciam agora caminhos intermináveis que não dariam em lugar algum. Finalmente, a porta da rua. Um lado, outro, nada. Somente a quase claridade de um dia que amanhecia. Ruas desertas. Orvalho da manhã. Solidão. Pôs-se então a andar, desolado. Não entendia como aquela letra, L, havia entrado e saído da sua vida assim, tão de repente e sem rastro. Apenas sensações. Nenhuma prova física — ou quase nenhuma.
Andou por uns minutos com as mãos no bolso da calça, sentindo frio por causa do dorso desnudo, até que chegou à praça ao lado de onde morava. Uma moça ali estava, sozinha, encostada na grade que cercava a área infantil. Seus cabelos castanhos caíam em cascata pelos ombros. No corpo, um vestido simples, em tom róseo, mas bem ajustado. Sapatos de salto baixo, nenhuma maquiagem. Não podia ser aquela moça. Não tinha lembrança dela. Então resolveu perguntar. Quem sabe? E chegou mais perto, até que uma brisa soprou e aquele cheiro, aquele cheiro da noite anterior invadiu suas narinas, seu corpo, suas veias. Era ela, novamente com todo o fascínio que havia sentido e que agora vinha claramente à memória.
— Por que você partiu?
— Por que só ficaria se você realmente me sentisse. Agora que você me encontrou, eu posso voltar.
E voltaram para o aconchego do leito, de mãos dadas, na manhã fria daquele domingo.

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