Total de visualizações de página

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Gisele



Um dia, no seu sobrevoo diurno, ela viu a grande fresta da janela e entrou. Estava cansada de voar por entre os prédios, e de repente aquele ambiente com flores lhe chamou a atenção. Além disso, o sol queimava suas asas, que eram especiais: albinas. Como era especial sua vida: alguns meses apenas, alguns meses para, livre do casulo aprisionador, voar pelos céus e descobrir a beleza da natureza.
Mas ela era uma borboleta da cidade. Não havia conhecido os verdes campos, as flores cheirosas e belas, o sol quentinho amenizado pela brisa fresca. Havia nascido numa fresta de muro de um prédio antigo, em que seu casulo ficara preso o tempo necessário para que ela criasse asas e voasse. Suas asas que deveriam ser coloridas, mas que nasceram sem cor. E por isso ela era ainda mais bela. Mas não sabia disso. Somente os que a olhavam percebiam sua beleza diferente. Como sempre acontece com os seres especiais, que acabam desabrochando sob o olhar de outros seres especiais.
E assim foi com esse serzinho voador, que passou a ser conhecido como Gisele enquanto, sem o saber, era observado pelas donas da casa, que gentilmente cederam suas flores para que a visitante se sentisse mais bem recebida. Só que o inesperado, como sempre, aconteceu. Gisele não estava procurando conhecer o ambiente; ela estava procurando um lugar para repousar. Repousar seu sono eterno de borboleta. E assim foi. Em seu pouso delicado, deitou-se sobre o lírio e ali ficou, sem se mexer. Adormeceu para sempre, deixando no ar o perfume doce e especial de seu matiz diferente, fazendo como a bailarina do balé de mesmo nome: sendo delicada até o último momento de sua vida.
Gisele, então, morreu no meio das folhas do lírio. E deixou na casa que recebeu sua visita a forte sensação de transformação que todas as borboletas trazem. Com um quê a mais: uma transformação para o diferente, como suas asas albinas. Gisele não sabia, mas o que ela veio fazer nessa casa foi dar um presente a suas donas. Ela as abençoou.

2 comentários: